terça-feira, 8 de maio de 2012
Não respire... (ou leituras em apneia) #5
«Um dia, quando voltávamos do trabalho, vimos três forcas montadas no local da chamada, três corvos pretos. Chamada. Os SS à nossa volta, as metralhadoras assestadas - a cerimónia tradicional. Três condenados acorrentados - e, no meio deles, o pequeno pipel, o anjo de olhos tristes.
Os SS pareciam estar mais preocupados, mais inquietos do que era costume. Enforcar uma criança diante de milhares de espectadores não era coisa de pouca monta. O chefe do campo leu o veredicto. Todos os olhos se tinham fixado na criança. Estava lívido, quase calmo, mordendo os lábios. A sombra da forca cobria-o por completo.
O Lagerkapo, desta vez, recusou ser o carrasco. Três SS substituíram-no.
Os três condenados subiram ao mesmo tempo para cima das cadeiras. Os três pescoços foram introduzidos ao mesmo tempo nos nós corredios.
- Viva a liberdade! - gritaram os dois adultos.
O pequeno, esse mantinha-se, calado.
- Onde está o Bom Deus, onde está Ele? - perguntou alguém atrás de mim.
A um sinal do chefe do campo, as três cadeiras oscilaram.
Silêncio absoluto no campo. No horizonte, o sol punha-se.
- Tirem os chapéus! - berrou o chefe do campo. A sua voz era rouca. Quanto a nós, nós chorávamos.
- Tapem a cabeça!
Depois começou o desfile. Os dois adultos já estavam mortos. As suas línguas pendiam, inchadas, azuladas. Mas a terceira corda não estava imóvel: tão leve, a criança ainda estava viva...
Assim ficou durante mais meia hora, a lutar entre a vida e a morte, agonizando aos nossos olhos. E nós tínhamos de o encarar bem de frente. Ainda estava vivo quando passei diante dele. A sua língua ainda estava vermelha, os seus olhos ainda não estavam sem vida.
Atrás de mim, ouvi o mesmo homem a perguntar:
- Onde é que Deus está, então?
E eu sentia dentro de mim uma voz que lhe respondia:
- Onde é que ele está? Ei-lo - está aqui pendurado nesta forca...
Naquela noite, a sopa sabia a cadáver.»
Elie Wiesel, "Noite", Texto Editora, 2003
Pode respirar.
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