sábado, 19 de maio de 2012
diário dos mesmos pesares #15
«Lilith pegou no veneno e sacudiu-o. Como se faz a um lençol coberto de migalhas.
Pela boca se morre mais do que pelo tacto. No caso do veneno.
Mas a morte é uma função do tacto, é um efeito que toca. Não é saboreado, ou cheirado, ou visto. A morte não é algo que entre pelos olhos como a cor ou a forma de uma coisa. A morte toca. Morrer-se porque se tem o sentido do tacto. Poderemos não ter todos os outros sentidos, mas possuindo o tacto somos mortais.
Só é imortal o que não pode ser tocado.
Só é mortal o que pode ser tocado.
Mas, repara: o passado não pode ser tocado. Experimenta tocar em algo que sucedeu ontem ou há seis séculos. O passado é intocável, é imortal.
Como já acabou, não acaba. Que estranho, dirás.
Mas a morte vem em diferentes estados de matéria. A morte poderá surgir no estado gasoso; no estado líquido (água envenenada); ou no estado sólido: um sólido mortal (faca, bala)
Como se a morte tivesse diferentes temperaturas.
Como se a morte fosse uma substância que tolerasse grandes variações de temperatura. No grande frio e no grande calor: prossegue.
Mas num dia frio, pede-se que a morte venha a temperaturas altas. Para compensar, alguém dirá.»
Gonçalo M. Tavares, "Breves Notas sobre as Ligações (Llansol, Molder, Zambrano)", Relógio d'Água, 2009
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