sábado, 30 de novembro de 2013

prove que não é um robô #5


«Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.» 
Efésios 4.26

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Imediatamente embora pouco a pouco #35


«Ficaram a entreolhar-se, como se cada um quisesse sorver com os olhos e guardar para sempre a imagem do outro. Havia coisas que ele precisava de lhe dizer antes de se despedirem, mas não podia dizê-las naquele lugar de recordações luminosas, de modo que deu meia volta, seguindo-a em silêncio até ao trenó.»

Edith Wharton, "Ethan Frome", Relógio d'Água, 1994

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

espécie de oração particular #33


«Mas sobreviver não é bom. Creia-me. Não se sobrevive por inteiro, e a parte de nós que sobra, estiola-se num não saber que fazer do tempo, que não flui, e da aridez da existência, que estanca. É um não saber o que fazer de si mesmo.» 

Elisa Lispector, "Corpo a corpo", Edições Antares, 1983

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

a temperatura do corpo #33





























Todos os dias
caio fora do meu nome 
sem rede 
Se me chamares 
meus ossos quebram-se. 

Anise Koltz

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

interpretose now #13


«Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, a nossa própria passividade seria uma forma de acção.» 

Jean-Paul Sartre

sábado, 23 de novembro de 2013

o poeta sabe menos que o poema #11


«Amanhã é quinta-feira.
Se o mundo cumprir com suas obrigações,
depois de amanhã será sexta.
Se não, talvez mesmo domingo
e nunca ninguém saberá
onde se extraviou nossa vida.» 

Piotr Sommer

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Até hoje foi sempre futuro #13


«Fomos os Portugueses intolerantes e fanáticos dos séculos XVI, XVII e XVIII: somos agora os Portugueses indiferentes do século XIX.»

«Que é pois necessário para readquirirmos o nosso lugar na civilização? Para entrarmos outra vez na comunhão da Europa culta? É necessário um esforço viril, um esforço supremo: quebrar resolutamente com o passado. Respeitemos a memória dos nossos avós: memoremos piedosamente os actos deles: mas não os imitemos. Não sejamos, à luz do século XIX, espectros a que dá uma vida emprestada o espírito do século XVI. A esse espírito moral oponhamos francamente o espírito moderno.»

«Somos uma raça decaída por ter rejeitado o espírito moderno: regenerar-nos-emos abraçando francamente esse espírito. O seu nome é Revolução: revolução não quer dizer guerra, mas sim paz: não quer dizer licença, mas sim ordem, ordem verdadeira pela verdadeira liberdade. Longe de apelar para a insurreição, pretende preveni-la, torná-la impossível: só os seus inimigos, desesperando-a, a podem obrigar a lançar mãos das armas. Em si, é um verbo de paz, porque é o verbo humano por excelência.»

Antero de Quental, “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, Guimarães Editores, 2001

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

diário dos mesmos pesares #34
























«O homem mais forte do mundo é aquele que está mais só»

Henrik Ibsen, "O Inimigo do Povo", 1882

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Recomposições de Metades #5


«Carácter e inteligência: os dois pólos para abrilhantar as qualidades; um sem o outro é boa-sorte pela metade. Não basta ser inteligente, é necessária a predisposição do carácter. A pouca sorte do néscio é errar de vocação no estado, ocupação, vizinhança e amigos.»  

Baltasar Gracián, "A Arte da Prudência", Edições Temas da Actualidade, 1994

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

domingo, 17 de novembro de 2013

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #18


«Todos conheceis a intratável melancolia que se apodera de nós ao recordarmos tempos felizes. Estes, porém, pertencem irrevogavelmente ao passado, e deles nos separa a mais impiedosa das distâncias. Todavia, as imagens parecem refulgir ainda mais sedutoras no seu reflexo; pensamos nelas como quem recorda o corpo de uma mulher amada já falecida, que repousa nas profundezas da terra mas que, como uma miragem, com um esplendor mais alto e espiritual, nos assedia e faz estremecer. E nunca nos cansamos de percorrer com os dedos o que passou em sonhos sequiosos, em todos os seus pormenores e circunstâncias. Parece-nos então que não tomámos ainda a medida plena da vida e do amor, mas não há arrependimento que traga de volta a oportunidade perdida. Pudesse este sentimento servir-nos de lição, mesmo em cada instante de felicidade.»

Ernst Jünger, "Sobre as Falésias de Mármore", Vega, 1998

sábado, 16 de novembro de 2013

A vida não é um sonho #33


De tudo o que disse de mim que resta
Conservei falsos tesouros em armários vazios
Um navio inútil liga a minha infância ao meu fastio
Os meus jogos ao cansaço
A tempestade ao arco das noites em que estou só
Uma ilha sem animais aos animais que amo
Uma mulher abandonada à mulher sempre nova
Em veia de beleza
A única mulher real
Aqui e em qualquer parte
A oferecer sonhos aos ausentes
Sua mão estendida para mim
Reflecte-se na minha
Digo bom-dia sorrindo
Não se pensa na ignorância
E a ignorância reina
Sim eu tudo esperei
E desesperei de tudo
Da vida do amor do esquecimento do sono
Das forças das fraquezas
Já não me conhecem
Lobos são meu nome e minha sombra.

Paul Éluard, "Algumas Palavras (Antologia)", Publicações Dom Quixote, 1977

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Não respire... (ou leituras em apneia) #10


«no quarto da Madame:
gosto desta lâmpada, da luz sem esconsos onde te vais despir, primeiro a camisola exacta, depois o colarinho porco da camisa, a cueca azul, o ensopado do sapato, a fofa chuva de Milão pelo cabelo que nunca foi lavado empastou-o sobre a testa, de sujo é encaracolado, baço, e vêem-se-te as costelas de pouco alimentado, degrau a degrau, até aos ossículos ternos das clavículas, aqui: ficas com a nudez suburbana, as pernas arqueadas, o sexo pendente sobre a virilha, os pêlos acamados num púbis inclemente, aqui; mostras na pele os dias em que te não lavaste e o nome variável de múltiplos baptismos, esta luz é deus pai, filho e espírito santo, é deus todo e tolo, é deus polono, aragem que seca pelo seu não soprar, ou por dentro das pessoas deflagra-as na minuciosa contabilidade do divino, aqui: vê-se, não se ama, quando a lembrança do amor me apoquenta, trago os engates para o quarto, fico a olhá-los, fixo as suas formas saturadas, os seus cheiros visíveis como gráficos, depois, dou-lhes dinheiro para me abandonarem não vá a sua presença destruir lembranças ternas, aqui: apaziguo de um desejo que não se apazigua, mato com método o fulgor e a vida, esta luz põe-me só, solidifica-me, do que ela ilumina nada há a dizer»       

Rui Nunes, "O Canto no Ocaso", Edições Rolim, 1984

Pode respirar.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Ouvido no estrangeiro #6


«Son mentira las formas. Sólo existe
el círculo de bocas del oxígeno.
Y la luna.»


Federico García Lorca, Luna y panorama de los insectos (Poema de amor), 1930

domingo, 10 de novembro de 2013

sábado, 9 de novembro de 2013

interpretose now #12

«Aquele a quem os deuses querem destruir, primeiro deixam-no louco.»
Eurípides


«Podes observar como a divindade fulmina com os seus raios os seres que sobressaem demais, sem permitir que se jactem da sua condição; por outro lado, os pequenos não despertam as suas iras. Podes observar também como sempre lança os seus dardos desde o céu contra os maiores edifícios e as árvores mais altas, pois a divindade tende a abater todo o que descola em demasia.»
Heródoto

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

diário dos mesmos pesares #33










«encosto a face à parede
mais triste do quarto, fiel


guardiã do sol posto.



o coração que me deixaste

é uma casa difícil de habitar.»


Renata Correia Botelho, "Um Circo no Nevoeiro", Averno, 2009

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

a perfeição é uma dada forma de imperfeição #5


«O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
O que podia ter sido é uma abstracção
Permanecendo possibilidade perpétua
Apenas num mundo de especulação.
O que podia ter sido e o que foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente.
Ecoam passos na memória
Ao longo do corredor que não seguimos
Em direcção à porta que nunca abrimos
Para o roseiral. As minhas palavres ecoam
Assim, no teu espirito.
                                Mas para quê
Perturbar a poeira numa taça de folhas de rosa
Não sei.
                         Outros ecos
Habitam o jardim. Vamos segui-los?
Depressa, disse a ave, procura-os, procura-os,
Na volta do caminho. Através do primeiro portão,
No nosso primeiro mundo, seguiremos
O chamariz do tordo? No nosso primeiro mundo.
Ali estavam eles, dignos, invisiveis,
Movendo-se sem pressão, sobre as folhas mortas,
No calor do outono, através do ar vibrante,
E a ave chamou, em resposta à
Música não ouvida dissimulada nos arbustos,
E o olhar oculto cruzou o espaço, pois as rosas
Tinham o ar de flores que são olhadas.
Ali estavam como nossos convidados, recebidos e recebendo.
Assim nos movemos com eles, em cerimonioso cortejo,
Ao longo da alameda deserta, no círculo de buxo,
Para espreitar o lago vazio.
Lago seco, cimento seco, contornos castanhos,
E o lago encheu-se com água feita de luz do sol,
E os lótus elevaram-se, devagar, devagar,
A superfície cintilava no coração da luz,
E eles estavam atrás de nós, reflectidos no lago.
Depois uma nuvem passou, e o lago ficou vazio.
Vai, disse a ave, pois as folhas estavam cheias de crianças,
Escondendo-se excitadamente.. contendo o riso.
Vai, vai, vai, disse a ave: o género humano
Não pode suportar muita realidade.
O tempo passado e o tempo futuro
O que podia ter sido e o que foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente.»

T. S. Eliot, "Quatro Quartetos", Relógio D'Água, 2004

presente do indicativo


Prendo-te o rosto, o corpo arqueado sobre o instante, o dorso reflectido sobre o embuste da luz. Reorganizo-te o corpo, a sinalética desconhecida dos medos, traço-te a história. Nomeio-te na arquitectura frágil do meu dicionário privado, pouso-te sobre a mesa de cabeceira. Que talvez tenhas por nome apenas o que em mim tem nome. Madrugada a tempo de nunca se fazer alvorada, janela fronteiriça, chave pequena e olhar clandestino sobre esta longuíssima forma de fazer silêncio com as mãos. Fabrico fés, fabrico crenças e não há ninguém que saiba urdir as palavras, às costas dos meses, melhor que Novembro. O meu nome visto de baixo.
Beatriz Hierro Lopes
  

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A revolução ficou atrás de nós #1


«Tomar consciência, e sempre de novo, de que estamos no fim da História, por forma que a maior parte das noções recebidas, a começar pelas da tradição revolucionária, devem ser reexaminadas e, tais quais, recusadas. Reconheçâmo-lo: Marx, Lénine, Bakunine, aproximaram-se e afastaram-se. Há um vazio absoluto atrás, como adiante de nós, e devemos pensar e agir sem assistência, sem outro apoio que não seja a radicalidade deste vazio. Ponhamos tudo em causa, incluindo as nossas certezas e esperanças verbais. A REVOLUÇÃO FICOU ATRÁS DE NÓS, objecto, já, de consumo e por vezes de gozo. Mas o que está diante de nós, e que será terrível, ainda não tem nome.»

Maurice Blanchot, Écrits Politiques 1953-1993, Paris, 2008 (Gallimard / Les Cahiers de la NRF), p. 204.

http://obeissancemorte.wordpress.com/2013/11/03/um-ensaio-de-antonio-bracinha-vieira-sobre-o-terror-do-capital-financeiro-a-biopolitica-e-o-futuro/

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

o poeta sabe menos que o poema #10


«Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça» 

Mário Cesariny, “Pena Capital”, Assírio & Alvim, 2004

domingo, 3 de novembro de 2013

Perguntas Abandonadas #34


«Pai, pai, aonde é que vais?
Oh!, não andes tão depressa.
Diz, diz, pai diz-me onde vais
Ou vou perder-me não tarda.»


William Blake, “Cantigas da Inocência e da Experiência”, Antígona, 2007

sábado, 2 de novembro de 2013

espécie de oração particular #32

 

«DEUS, IRRITADO

Estou a arrepender-me de ter feito o homem na Terra. Tornou-se mais forte do que eu, e já não sei dirigir a multidão que formou, de loucos e estúpidos. Aménão, Egino, Paimão, Oriães, libertem-me deste fardo: precipitem-me aquele globo nos abismos! Que a maldição caia sobre a cabeça dos rebeldes! E na fronte do maldito planeta esperem uma forca, signo de crime, castigo e sofrimentos.»

August Strindberg, "Inferno", Assírio & Alvim, 1988

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

ninguém é filho das ervas #24


«O movimento da poesia parte do conhecimento e leva ao desconhecido. Raia a loucura se alguma vez se cumpre.»
Georges Bataille