segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

a temperatura do corpo #5



«Por diversas noites, uma jovem religiosa, que sofria mais do que qualquer outra criatura a renúncia aos prazeres do corpo, recolheu os folhetos que alguém, secretamente, fizera passar por baixo da porta fechada da sua cela. Eram pedaços de um papel muito branco, sobre o qual se distinguia uma marca, provavelmente o desenho de uma parte do rosto. Primeiro um olho, uma madeixa de cabelo, depois uma orelha, a boca, a testa, o queixo. A religiosa, unindo os fragmentos, procurou compor o rosto e, com terror, sofria cada vez mais o fascínio que exalava aquela imagem ainda incompleta. Na última noite, quando estava certa que encontraria o último fragmento para completar o rosto do secreto sedutor, acendeu uma vela para queimar aquela imagem de tentação. E apercebeu-se que se tratava do rosto de Deus. Então, um a um, como se fossem hóstias consagradas, engoliu os fragmentos de todo aquele papel.»

Tonino Guerra, "Histórias para uma noite de calmaria" Assírio & Alvim, 2002

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

diário dos mesmos pesares #6



«Odiava, odiava, odiava o mundo. Odiava e evitava tudo o que existia, se movia e vivia. E então chegaste tu, fresco, tolo, desajeitado, insolente e com o aroma de emoções incorruptas em flor, e eu, como é natural, reagi com violência, mas assim que te vi sabia já que tu eras um esplêndido rapaz, caído do céu, enviado e oferecido, assim me parecia, por um deus omnisciente.»

Robert Walser, "Jakob van Gunten", Relógio d´Água, 2005

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

em nome da Tulipa



©Solondz,Todd;2009

sábado, 5 de fevereiro de 2011

a vida não é um sonho #8



«Mas chegámos a uma estação de comboios. Aqueles que tinham lugar perto das janelas disseram-nos o nome da estação:
- Auschwitz.
Ninguém tinha ouvido falar daquele nome.
O comboio não voltava a partir. O meio-dia passou lentamente. Depois, as portas do vagão deslizaram. Podiam sair dois homens para procurar água.
Quando voltaram, contaram que tinham conseguido saber, em troca de um relógio de ouro, que se tratava do término. Íamos desembarcar. Aqui existia um campo de trabalho. Com boas condições. As famílias não seriam separadas. Somente os jovens iriam trabalhar nas fábricas. Os velhos e os doentes tratariam da terra.
O barómetro da confiança deu um salto. Era a súbita libertação de todos os terrores das noites anteriores. Demos graças a Deus.»

Elie Wiesel, "Noite", Texto Editora, 2003

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Retrato de Família #14




Jack L. Karamazov (1876-1916)

«O dinheiro... só podia deitar-me numa cama de cada vez, e de que valia um rendimento diário de cem cervejarias quando só podia comer numa?»