domingo, 13 de julho de 2014

sábado, 12 de julho de 2014

Imediatamente embora pouco a pouco #42



«Por quanto mais tempo poderei ser um muro contra o vento?
Por quanto mais tempo
Poderei suavemente obscurecer o sol com a palma da minha mão?
Interceptar as setas azuis da lua fria?
As vozes da solidão, as vozes da amargura
Agarram-se às minhas costas infatigavelmente.
Como poderá acalmá-las esta canção de embalar?

Por quanto mais tempo poderei ser um muro em redor da minha terra verde
Por quanto mais tempo poderão as minhas mãos
Proteger esta ferida, e as minhas palavras
Pássaros luminosos no céu, consolando, consolando?
É tremendo
Ser exposta: como se o meu coração
Pusesse uma máscara e penetrasse no mundo.»  

Sylvia Plath, “Três Mulheres - Poema a Três Vozes”, Relógio D’Água, 2004

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Até hoje foi sempre futuro #19



«O homem é um ser vivo monstruoso em cujo interior nós vivemos como as lombrigas na nossa barriga.
Não esqueçamos que existe uma infinidade de mundos e inúmeros planetas habitados.
As duas forças essenciais que movem a natureza são o calor e o frio.
Não se pode conceber uma matéria inanimada.
Mesmo os cadáveres são dotados de sensações e capazes de sentir as comoções da alma.
Não existem fenómenos sobrenaturais.
A magia da pura natureza é o único sacramento e o único segredo.
O poder só pode assentar no conhecimento, e o conhecimento apenas na percepção.
O estado é um ser vivo artificial, ou uma máquina feita de homens pelos homens.
Primeiro, é preciso destruir e exterminar, para depois construir e plantar.»

Hans Magnus Enzensberger, “Mausoléu”, Cotovia, 2004    

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Nós herdámos as margens #3


«Há já um tempo que decidi não mais explicar as coisas, porque tantas são as pessoas incapazes de apreciar poesia que, quando um poema é explicado, é destruído.»


«O abstracto não existe, mas existe como imanente. Ou seja, a ficção abstracta é tão imanente na mente do poeta como ideia de Deus é imanente na mente do teólogo. O poema é uma luta com a inacessibilidade do abstracto.»

Wallace Stevens, “Notas Para Uma Ficçao Suprema”, Relógio D’Água, 2007

terça-feira, 8 de julho de 2014

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #26






























«Ama quem queiras com o coração
 mas ama-me, só a mim, com o corpo.

       Ninguém ama só com um coração
 Um coração não serve sem um corpo.»  

J. M. Fonollosa, "Cidade do Homem: New York", Antígona, 1993

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A vida não é um sonho #39



«Sei que o mundo é mais forte do que eu. E para resistir ao seu poder só me tenho a mim. O que já não é pouco. Se o número não me esmagar, sou, também eu, um poder. E enquanto me for possível empurrar as palavras contra a força do mundo, esse poder será tremendo, pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior do que quem se bate pela liberdade. E no dia em que só o silêncio me restar como defesa, então será ilimitado, pois gume algum pode fender o silêncio vivo.
É este o meu único consolo.»  

Stig Dagerman, "A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer", Fenda, 1995

domingo, 6 de julho de 2014

o Mal-estar da Civilização #43



«Penso que um dos grandes problemas foi que não se acrescentou a participação à compreensão que se faz do mundo. É preciso ter medo, não basta compreender o medo. O peso da modernidade ainda é tão forte que o acto de participação está excluído. E então constroem-se teorias e teorias, mas a essas teorias falta uma coisa que é participar. É essa dimensão biológica que falta à compreensão.»

Rui Nunes, "www.ionline.pt", 2 Set 2013

sexta-feira, 4 de julho de 2014

quero outro dia no final da noite #5



«O homem é esta noite, este nada vazio que contém tudo na simplicidade desta noite, uma riqueza de representações, de imagens infinitamente múltiplas, nenhuma das quais lhe vem precisamente ao espírito, ou que não existem como efetivamente presentes (…) É esta noite que descobrimos quando olhamos um homem nos olhos, uma noite que se torna terrível, é a noite do mundo que se avança diante de nós»

Friedrich Hegel, "Filosofia do espírito"

quinta-feira, 3 de julho de 2014

diário dos mesmos pesares #40











«Tão indiferente
Consumiste na força bravia
Todo o encanto das coisas que havia
E lançaste na praia ardente
Náuseas e pragas
Despojos de almas
As carnes em chagas
As mágoas
Condenaste-me à noite
De sangue e fogo
E vento e sombras
Ao teu quebranto
Mas deixa-me ao menos
O corpo despido
Em descanso»


Fausto, "Por Este Rio Acima", O que a vida me deu, 1982


quarta-feira, 2 de julho de 2014

electrocardioTrama #15 (ou a actividade alquímica do 'a'real)



«Abre a porta e caminha
Cá fora
Na nitidez salina do real»

terça-feira, 1 de julho de 2014

Até hoje foi sempre futuro #18



«Maioletto é uma aldeia desaparecida da face da terra uma noite em que chovia a cântaros e a montanha se rachou ao meio. Metade ainda está de pé, mas a outra, onde estavam as casas, os homens e os animais, ficou toda encerrada dentro das fendas.
Abaixo da grande fraga que restou, há um cemitério com cruzes deitadas na erva ou encostadas aos muros que fazem um quadrado.
Um rapaz e uma rapariga, que passeavam a ver as árvores floridas, chegaram ao meio daquele silêncio para tentar ler o que estava escrito nas grades. O tempo tinha devorado até as datas. Só ficaram cruzes ferrugentas, abandonadas pelos ossos e pelos nomes.
E eles escreveram qualquer coisa com um prego sobre aquela ferrugem, como se tivessem morrido lá dentro.»

Tonino Guerra, “O Livro das Igrejas Abandonadas”, Assírio & Alvim, 1997  

segunda-feira, 30 de junho de 2014

domingo, 29 de junho de 2014

O Homem é um grande faisão sobre a terra #7



«Achava-me de certo modo, um indivíduo sem culpas, conhecendo algumas leis seguras, amando lentamente a terra e as estações.»  

Herberto Helder, "Apresentação do Rosto", Editora Ulisseia, 1968

sábado, 28 de junho de 2014

o poeta sabe menos que o poema #19



«Deixa
lentamente
que a tarde finde
verás depois ou entretanto
depende
que o que deixas acabar
não é mais do que a parte que a ti
te pertence.

Ali,
onde tu vês o que não existe
saberás, se te perderes um pouco,
que esse céu que o teu olhar
tantas vezes fingiu
fingiu uma vida inteira.

Depois, quando regressares,
e não souberes quem és,
isto é, quando te perderes de vez,
e tiveres aprendido por duas vezes
tudo o que há para aprender nesta vida
é possível que eu queira, se é que isto existe,
morrer contigo, morrer melhor.

Mas como te percebo,
eu próprio nunca abri os olhos
nunca me perdi antes
nunca me achei em nenhum céu.
Nunca, sequer, me levei de uma cor à outra.
A noite escura nunca me levou ao lugar que eu queria.

Morri apenas.
Demorei uma vida a morrer.
Como desejei.
Aos poucos,
ou de uma vez só,
como a tristeza quis.» 

António Quadros Ferro "Um Pouco de Morte", Edição do autor, 2009

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Retrato de Família #30



Teixeira de P. Karamazov (1877-1952)

«O amor é fome de outra vida, desejo de transitar. Quando dois amantes de abraçam e beijam, entredevoram-se, morrem um no outro, de algum modo, e transitam para um novo ser. A vida não pode ficar em nós, a repetir-se, que repetir é estar parado, é ocupar o mesmo lugar.»

quinta-feira, 26 de junho de 2014

a temperatura do corpo #39




«A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomam cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda — imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus.»

Raul Brandão, “Húmus”, Edições Húmus, 2010

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Dicionário das causalidades #24

  

A

Abandonar-me 

Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho - 
a glande leve.

Eugénio de Andrade, “Chuva sobre o rosto”, Edições Afrontamento, 2009

terça-feira, 24 de junho de 2014

Nós herdámos as margens #2



«Eu sei que, pouco a pouco,
passaremos a viver noutro fundo de livro e de linguagem.
E teremos, então, uma inquietação mais simples.»

Maria Gabriela Llansol, "Um Beijo Dado Mais Tarde",  Edições Rolim, 1990

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Momento Pergaminho #16



«O que está em cima é como o que está em baixo, e o que está em baixo é como o que está em cima.» 

Princípio de Correspondência, "O CAIBALION - Estudo da Filosofia Hermética do Antigo Egito e da Grécia" 

domingo, 22 de junho de 2014

interpretose now #21



«O belo é a verdade, o prazer, a ordem, a clareza, o querer viver, a liberdade... o sonho.
O belo é a mentira, a dor, a desordem, o mistério, a renúncia, a disciplina... o real.»

Ch. Lalo

sábado, 21 de junho de 2014

Até hoje foi sempre futuro #17



«O tipo sacerdotal de médico dos tempos primitivos, o médico hipocrático, que trata racionalmente com um olhar imparcial para o todo do homem e a sua situação, o médico medieval que detém concepções especulativas autoritárias, todos eles foram há séculos, substituídos pelo moderno médico científico. O seu afazer já não é o sacerdócio, mas a humanidade.»




«Talvez seja das profissões de médico e de homem político que os perplexos entre os contemporâneos mais esperam. De ambas se exige hoje o impossível. Mas, na medida em que ambas cedem a estas falsas exigências, multiplicam o infortúnio.»

Karl Jaspers, “O médico na era da técnica”, Edições 70, 1998

sexta-feira, 20 de junho de 2014

espécie de oração particular #37



«Estou bem. Devo mesmo dizer-te que sou feliz. A felicidade não está no que acontece mas no que acontece em nós desse acontecer. A felicidade tem que ver com o que nos falta ou não na vida que nos calhou. Devo dizer-te que me não falta nada, quase nada.» 

Vergílio Ferreira, "Em Nome da Terra", Bertrand Editora, 1990

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Pausa do mundo #6



«Tenho necessidade de um outro tempo, de outra coisa mais lenta, mais próxima do silêncio, da sombra, da beleza e da impossibilidade da beleza, da suspensão do tempo, da solidão, da incomunicabilidade»

Rui Chafes, "invocação", Camara Municipal de Vila Nova de Gaia, 2008

terça-feira, 17 de junho de 2014

Recomposições de Metades #13



«Amor - pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
nu úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.»

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Imediatamente embora pouco a pouco #41



«Aprendo a ver. Não sei por que motivo, tudo penetra em mim mais profundamente e não se imobiliza no ponto em que se costumava extinguir. Tenho uma interioridade que desconhecia. Tudo agora para aí se encaminha. Não sei o que aí se passa.
Quando hoje estava a escrever uma carta apercebi-me de que estou aqui apenas há três semanas. Três semanas em qualquer outro lugar, no campo, por exemplo, seriam como um só dia, aqui são anos. Também já não quero voltar a escrever cartas. Para que hei-de dizer a alguém que me estou a transformar? Se me estou a transformar, já não sou aquele que fui, e sou diferente do que era até aqui, por isso é óbvio que não conheço ninguém. E é impossível escrever a pessoas desconhecidas, a pessoas que não me conhecem.»

Rainer Maria Rilke, "As Anotações de Malte Laurids Brigge", Relógio D'Água, 2003

domingo, 15 de junho de 2014

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #25



«Ao apertar-te nos meus braços aperto
O meu coração contra essa beleza
Que há muito desapareceu do mundo;
As coroas de jóias que reis lançaram
Aos charcos sombrios, quando os exércitos debandaram;
As histórias de amor tecidas com fios de seda
Por sonhadoras damas em telas
Que nutriram a traça assassina;
Rosas de outrora
Que nos seus cabelos as damas entreteceram,
Lírios frescos de orvalho que as damas levavam
Por tanto corredor sagrado
Onde tais nuvens de incenso se elevavam
Que somente Deus não fechava os olhos:
Porque esse pálido peito e a mão indolente
Chegam de uma terra mais sonhadora,
De uma hora mais sonhadora do que esta;
E no teu suspirar entre beijos
Ouço a branca Beleza que também suspira,
Durante horas em que tudo deve consumir-se como o orvalho,
Mas chama sobre chama, abismo sobre abismo,
Trono sobre trono no meio do sono,
Pousadas as suas espadas sobre os joelhos de ferro,
Meditam nos seus altos mistérios solitários.»

W. B. Yeats, "Uma Antologia", Assírio & Alvim, 1996

sábado, 14 de junho de 2014

ninguém é filho das ervas #31




«Sim, sei de onde provenho,
Insaciável, como a chama,
Ardo e consumo-me a mim mesmo,
Em luz converte-se tudo o que agarro,
Em cinzas tudo o que largo,
Chama sou, decerto -.» 

Friedrich Nietzsche

sexta-feira, 13 de junho de 2014

diário dos mesmos pesares #39



«Muitas vezes vos disse: reinaria a noite e faria frio
Sobre a Terra, e em miséria consumir-se-ia
A alma, se de tempos a tempos não enviassem
Os deuses, bons, tais jovens
Para dos homens a vida estiolada refrescar.» 

Friedrich Hölderlin, "A Morte de Empédocles", Relógio d'Água, 2012

quarta-feira, 11 de junho de 2014

a poesia não me interessa #50



«Pousa devagar a enxada sobre o ombro
Já cavou muito silêncio

Como punhal brilha em suas costas
A lâmina contra o cansaço» 

Daniel Faria, "Explicação das Árvores e de Outros Animais", Fundação Manuel Leão, 2002

segunda-feira, 9 de junho de 2014

quero outra noite no fim do dia #23



«Assim como na noite o dia se contém
e o sol ao fim da trajectória em lua se resolve
assim emerge o homem dessa mesma terra mãe
que o há-de receber com mãos de quem absolve

Assim de dia em dia assim de longe em longe vem,
como mar que onda a onda se dissolve
na praia do início, a dúvida que alguém
sobre si mesmo tem e todo se revolve

Assim a noite, assim o mar também
e se alguém nasce doutrem e se um filho
começa pela mãe, assim do filho a mãe
renasce, assim redondo sai o trilho

E por maior cadáver que na carne leve
a ave retransmite à ave tudo quanto vive» 

Ruy Belo, "Todos os Poemas", Assírio & Alvim, 2009

sábado, 7 de junho de 2014

A vida não é um sonho #38

























«É, pois, a tragédia imitação de uma acção de carácter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efectua] não por narrativa, mas mediante actores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções.»

Aristóteles, “Poética”, INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2000

sexta-feira, 6 de junho de 2014

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Perguntas Abandonadas #42



«Onde está pois o núcleo profundo e autónomo de que nenhum participa, que não foi gerado por nenhum outro e que se possa verdadeiramente chamar meu? Serei, na realidade um coágulo de dívidas, a molécula escrava de um corpo gigantesco? E a única coisa que acreditamos verdadeiramente nossa – o Eu – talvez seja como tudo o mais, um simples reflexo, uma alucinação do orgulho.»

Giovanni Papini, "Gog", Livros do Brasil, 1988

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #24



Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias
dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse
para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua
natureza mais potente. Pois o belo apenas é
o começo do terrível, que só a custo podemos suportar,
e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha
destruir-nos. Todo o anjo é terrível.


Rainer Maria Rilke, "As Elegias de Duíno", Assírio & Alvim, 2002