«Os
mutantes (mutants) parecem‑se com o
leitor e comigo e comportam‑se como eu e o leitor nos comportamos. A natureza
física dos mutantes não se distingue da nossa. Se o leitor abrisse o cérebro de
um mutante, chegaria à conclusão de que ele funciona exactamente do mesmo modo
que o seu cérebro ou o meu. Se o leitor picar um mutante, ele soltará um “Ai!”,
exactamente como eu ou o leitor.
Ao contrário dos mortos‑vivos, os mutantes têm
consciência. Há um fantasma dentro deles. Mas os acontecimentos que ocorrem no
fantasma do mutante não são como é de esperar. Um mutante que seja picado, por
exemplo, pode ter experiência de um acontecimento mental, como ouvir um dó
central de um clarinete. Também ele soltará um “Ai!”, pois, dado que o cérebro
dele funciona como o nosso e ele se comporta como nós, ser picado com um
alfinete inicia processos que causam modificações que levam por fim a que ele
solte um “Ai!”, tal como todos nós. Quando ele, neste caso, ouvir um dó central
de um clarinete, talvez sinta uma dor horrível, mas isso não fará mais do que
fazê‑lo sorrir beatificamente. Um mutante que veja um marco de correio vermelho
poderá vê‑lo como se fosse amarelo; um mutante que veja narcisos poderá vê-los como
se fossem azuis. Um acontecimento que ocorra na consciência de um mutante não
apresenta qualquer relação com os acontecimentos que ocorrem na mente do leitor
ou na minha. Ou, pelo menos, qualquer relação com os acontecimentos que ocorrem
na minha mente. Pois, uma vez que considerei a possibilidade dos mutantes, dou‑me
conta de que não posso estar realmente seguro acerca de si, leitor, nem de
qualquer outra pessoa. Talvez todas as outras pessoas, quando comparadas
comigo, sejam mutantes.»
Simon Blackburn, "Pense", Gradiva, 2001
Sem comentários:
Enviar um comentário