sábado, 28 de abril de 2012
Imediatamente embora pouco a pouco #18
«Há trinta e cinco anos que prenso papel velho e livros, há trinta e cinco anos que me sujo de letras, de tal modo que me pareço com as enciclopédias de que durante esse tempo todo devo ter prensado pelo menos três toneladas: sou um cântaro cheio de água viva e água morta, basta inclinar-me um pouquinho e jorram de mim ideias lindas; sou culto independentemente da minha vontade e, assim, nem sei bem quais as ideias que são minhas, e saídas da minha cabeça, e que ideias li. Foi assim que, durante estes trinta e cinco anos, me liguei a mim próprio e ao mundo à minha volta; é que, quando estou a ler, afinal não leio, apenas colho com o bico uma bela frase e chupo-a como um rebuçado, como se bebericasse um cálice de licor durante muito tempo, até que a ideia se espalhe em mim como o álcool; ela dissolve-se em mim tão lentamente que penetra não só no meu cérebro e no coração mas pulsa também nas minhas artérias até às raízes dos capilares.»
Bohumil Hrabal, "Uma solidão demasiado ruidosa", Edições Afrontamento, 1992
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