L
Livro
«Você sempre me disse que esse livro foi me transformando à medida que eu o escrevia. "Depois de terminá-lo, você não era mais o mesmo." Acho que estava enganada. O que me permitiu mudar não foi escrevê-lo; foi ter produzido um texto publicável e vê-lo publicado. Publicar mudou a minha situação. Conferiu-me um lugar no mundo, conferiu realidade ao que eu pensava, uma realidade que excedia minhas intenções; que me obrigava a me redefinir e a me ultrapassar continuamente para não me tornar o prisioneiro nem da imagem que os outros faziam de mim, nem de um produto que se tornara outro em relação a mim, por sua realidade objetiva. A magia da literatura: ela me dava acesso à existência na medida em que eu tinha me descrito, escrito, na minha recusa, era essa recusa, e, por sua publicação, me impedia de perseverar nessa recusa. Era precisamente o que eu tinha esperado, e que só a publicação permitiria que eu obtivesse: ser obrigado a me engajar além do que minha própria vontade me permitia; e me fazer perguntas, perseguir fins que eu não havia definido sozinho.
Assim, o livro não se tornará operante pelo trabalho da sua elaboração. Ele vai se tornar progressivamente operante à medida que me confronte com possibilidades e relações com os outros, inicialmente imprevistas.»
André Gorz, "Carta a D. - História de um amor", Cosac Naify, 2008
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