sábado, 20 de julho de 2013

diário dos mesmos pesares #30


« - [O que tenho?] - disse ele - Nada de especial. Tenho... um décimo de segundo a mostrar que não está pelos ajustes... Espere... Há momentos em que o meu corpo se ilumina... É muito curioso. De repente fico-me visível... distingo o fundo das minhas camadas de carne, sinto zonas de dor, anéis, pólos, coroas de dor. Está a ver estas figuras vivas?, a geometria do meu sofrimento? Alguns destes relâmpagos parecem realmente ideias. Fazem compreender - daqui até ali... E no entanto deixam-me incerto. Incerto será a palavra... Quando isto está para vir, acho qualquer coisa de confuso ou difuso em mim. No meu ser formam-se lugares... enevoados, parecem lonjuras. Apanho na memória uma pergunta, uma questão qualquer... E meto-me nela a fundo. Conto grãos de areia... e, enquanto os vou vendo... - A dor crescente obriga-me a examiná-la. Penso nela! - Só espero pelo meu grito... e, mal o oiço - o objecto, o terrível objecto, faz-se pequeno, cada vez mais pequeno, furta-se à minha visão interior...» 
Paul Valery

Italo Calvino, "Seis Propostas para o Próximo Milénio", Editorial Teorema, 2007

1 comentário:

Th.M. disse...
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