sábado, 29 de junho de 2013

A vida não é um sonho #31


«Se não podes fazer da vida o que tu queres,
tenta ao menos isto, quanto puderes:
não a disperses em mundanas cortesias,
em vã conversa,
fúteis correrias.

Não a tornes banal
à força de exibida,
e de mostrada
muito em toda a parte
e a muita gente,
no vácuo dia-a-dia que é o deles
- até que seja em ti uma visita incómoda.»  

Constantino Cavafy, "90 e Mais Quatro Poemas", Edições Asa, 2003

quinta-feira, 27 de junho de 2013

o poeta sabe menos que o poema #5


A ilha onde tudo fica claro.

Aqui é possível ter pé nas razões.

Caminhos que a servem só os de ir.

Vergam-se os arbustos pesados de respostas.

Aqui vai crescendo a árvore do Bom Senso
de ramos eternamente desenredados.

A fulminantemente simples árvore da Compreensão 
junto à nascente do Aí Então É Isso.

Quanto mais longe no bosque, mais amplamente se abre o 
Vale da Clarividência.

Se alguma dúvida há, o vento a dissipa.

Sem ser chamado o eco leva a voz
e de bom grado desvenda os enigmas do mundo.

Ao lado direito a gruta onde o sentido descansa.

À esquerda fica o lago da Profunda Convicção.
A verdade desprende-se do fundo e vem levemente flutuar à superfície.

Sobranceira ao vale a Certeza Inabalável 
de cujo cume se estende a Vera Essência.  

Wislawa Szymborska, "Paisagem com Grão de Areia", Relógio D`Água, 1998

quarta-feira, 26 de junho de 2013

ninguém é filho das ervas #20



«Já não me lembro se fui Abel ou Caim.» 
Jorge Luís Borges

terça-feira, 25 de junho de 2013

Chamada a pagar no destinatário #19


«Why can't it be like before? Please don't go. Stay with me tonight. Let me borrow you.» 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

domingo, 23 de junho de 2013

Ouvido no estrangeiro #1


«The bodily entry to the discomfort is right there. It is a door. Most people do not yet know that door. What they know are feelings and emotions, often troubling ones. But we can turn our attention to a place that is deeper than the usual bad feelings. Oddly enough, this deeper place feels better even just from getting your attention, although only vagueness may be there at first.»  

Eugene Gendlin, "The evolution of psychotherapy: A meeting of the minds", Jeffrey K. Zeig (Ed.), 2000

sábado, 22 de junho de 2013

sexta-feira, 21 de junho de 2013

o Mal-estar da Civilização #38


«Não esqueçamos que o progresso é um objectivo facultativo, não um compromisso incondicional, e que o seu ritmo, por compulsivo que possa vir a tornar-se, nada tem de sagrado. Lembremos também que um progresso mais lento na conquista da doença não ameaçaria a sociedade, angustiante como é para aqueles que têm a deplorar o facto de que a sua própria doença ainda não tenha sido vencida, mas essa mesma sociedade ficaria de facto ameaçada pela erosão daqueles valores morais cuja perda, talvez causada por uma busca implacável do progresso científico, faria com que os seus mais deslumbrantes triunfos não valessem a pena. Lembremos enfim que o progresso não pode ter por meta abolir a condição da mortalidade. De um ou de outro mal, cada um de nós morrerá. A nossa condição mortal recai sobre nós com a sua crueldade mas também com a sua sabedoria - porque sem ela não haveria a promessa eternamente renovada da frescura, da imediatez e da sofreguidão da juventude; nem existiria para nenhum de nós incentivo para contarmos os nossos dias e fazer com que valham a pena. Com todo o denodo que pomos em arrebatar o que pudermos à nossa mortalidade, deveríamos suportar-lhe o fardo com paciência e dignidade» 

Hans Jonas, "Ética, Medicina e Técnica", Vega, 1994

quarta-feira, 19 de junho de 2013

interpretose now #8


«Imaginai que todas as coisas falam e a nossa incompreensão resulta apenas da falta de ouvido próprio para as falas. O terrível mistério do mundo estaria apenas na falta dos nossos sentidos. Imaginai agora  que, por um acidente qualquer (traumatismo, por exemplo, eles já têm aberto as portas ao génio...) começais a ouvir a conversa de todas as coisas. Qual seria o vosso espanto, ouvindo apenas uma nova música mais vasta, mais dissonante e menos intelectual?!
Cada corpo entregando ao Espaço a forma da sua individualidade, sem uma cautela, uma sombra, uma intenção; dando-se só porque existe e o Espaço dos outros o solicita.»

Leonardo Coimbra, "Obras de Leonardo Coimbra I", Lello & Irmão - Editores, 1983

terça-feira, 18 de junho de 2013

prove que não é um robô #2


«As coisas que sabemos melhor são as coisas que não nos ensinaram.» 
Luc de Clapiers Vauvenargues

domingo, 16 de junho de 2013

espécie de oração particular #30


«A busca activa é nociva, não apenas ao amor, mas também à inteligência, cujas leis imitam as do amor. É necessário esperar simplesmente que a solução de um problema de geometria, que o sentido de uma frase latina ou grega surjam no espírito. Por maioria de razão, também assim com uma nova verdade científica, com um verso belo. A busca conduz ao erro. É assim com toda a espécie de bem verdadeiro. O homem não deve fazer outra coisa senão esperar o bem e afastar o mal. No tumulto que constitui a condição humana, a virtude autêntica em todos os domínios é coisa negativa, pelo menos na aparência. Mas esta espera do bem e da verdade é algo mais intenso do que toda a busca.»

Simone Weil, "Espera de Deus", Assírio & Alvim, 2005

sábado, 15 de junho de 2013

a temperatura do corpo #27


«O que quer que seja que aconteça na nossa mente, acontece num tempo e num espaço relativos ao instante do tempo em que se encontra o nosso corpo e à região do espaço ocupada pelo nosso corpo. As coisas ou estão dentro ou estão fora de nós. As que estão fora de nós estão quietas ou em movimento. As quietas podem estar longe, perto ou algures no meio do caminho. As que estão em movimento podem estar a deslocar-se na nossa direcção, podem afastar-se de nós ou podem estar numa trajectória que passa ao nosso lado, mas é sempre o nosso corpo que lhes serve de referência. A perspectiva experiencial não só ajuda a situar objectos reais, como também ajuda a situar ideias, sejam elas concretas ou abstractas. A perspectiva experiencial também constitui uma fonte de metáforas nos organismos dotados de capacidades cognitivas como a abundante memória convencional, a mémoria de trabalho, a linguagem e as capacidades manipuladoras que subsumimos sob o termo inteligência.» 

António Damásio, "O Sentimento de Si", Pub. Europa-América, 2000

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Até hoje foi sempre futuro #7


«A questão de quem eu era consumia-me.

Convenci-me de que não chegaria a encontrar a imagem
                                               da pessoa que eu
era: Os segundos passaram. O que em mim subiu à superfície
mergulhou e voltou a desaparecer. E no entanto senti que
o momento da minha primeira investidura
foi o momento em que comecei a representar-me -
o momento em que comecei a viver - gradualmente - segunda a
segundo - ininterruptamente - Oh, mente, que estás tu a fazer! -

queres ficar oculta ou queres ser vista? -

E o vestido - como te assenta bem! - iluminado
pelos olhos dos
outros,

                 a chorar -»

Jorie Graham, excerto de "Notas sobre a realidade do Self", em Materialism, 1993

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Imediatamente embora pouco a pouco #33


«A curiosidade dos homens investiga o passado 
E o futuro e agarra-se a essa dimensão. Mas apreender 
O ponto de intersecção do intemporal 
Com o tempo, é ocupação de santo - 
Nem é tarefa, mas antes algo dado 
E recebido, na morte em amor de uma vida inteira, 
Arrebatamento, humidade e entrega de si. 
Para a maioria de nós há apenas o negligenciado, 
Momento, o momento dentro e fora do tempo, 
O assomo de descuido, perdidos num feixe de luz de Sol, 
O tomilho bravo que não se vê, ou o relâmpago de Inverno 
Ou a queda-d'água, ou a música ouvida tão profundamente 
Que não é de todo ouvida, mas tu és a música 
Enquanto a música perdura. Isto são apenas indícios e suspeitas, 
Indícios seguidos de suspeitas; e o resto 
É prece, observância, disciplina, pensamento e acto. 
O pressentimento meio suspeito, a dádiva meio entendida,
é a Encarnação.» 

T. S. Eliot, "Quatro Quartetos", Relógio D`Água, 2004

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Perguntas Abandonadas #30





















Porque, se a vida é breve tantas cousas buscamos? Para 
quê terras alheias
Por outros sóis cadentes? Quem da pátria
Sai a si mesmo escapa?

Horácio - Odes, II, 16.
(trad. de Jorge de Sena) 

terça-feira, 11 de junho de 2013

Recomposições de Metades #1


«Passar muito tempo ao ar livre, ao sol e ao vento provocará sem dúvida uma certa rudeza de carácter - fará crescer uma membrana mais espessa sobre as qualidades mais delicadas da natureza humana, e também no rosto e nas mãos, tal como um árduo trabalho manual retira às mãos a sua sensibilidade. Do mesmo modo, o hábito de ficar em casa pode induzir, por seu lado, uma certa indolência e brandura, para não dizer finura de pele, acompanhadas por uma sensibilidade maior a certas impressões. Talvez fôssemos mais susceptíveis a algumas influências importantes para o nosso desenvolvimento moral e intelectual se o sol nos fosse mais gentil e o vento mais brando. E não há dúvida de que é coisa difícil uma justa proporção entre macieza e aspereza. Todavia, parece-me que se trata de uma membrana que se retira facilmente - e que o remédio natural se encontra na proporção que existe entre a noite e o dia, o Inverno e o Verão, o pensamento e a experiência. Quanto mais ar e luz do sol nos nossos pensamentos, melhor. As mãos calejadas do homem do campo conhecem, melhor do que os dedos lânguidos de um ocioso, os requintados tecidos do amor-próprio e do heroísmo, cujo toque arrebata o coração. É mero sentimentalismo o de quem dorme de dia e se pensa alvo e puro, avesso à experiência que tisna e caleja.» 

Henry David Thoreau, "Caminhada", Antígona, 2012           

domingo, 9 de junho de 2013

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #13


(há homens que falam com deus em segredo: são os insensatos. Têm na voz o horizonte de outra voz, soletram as palavras que deus soletra na sua eternidade.

há homens que transportam um voz para dizimar o rosto para que falam.

há vozes que escurecem os contornos de um rosto.) 

Extracto do Diário de Abel 


Rui Nunes, "A Boca na Cinza",  Relógio d'Água, 2003

sábado, 8 de junho de 2013

Momento Pergaminho #15


«Sentado ou deitado, feche os olhos e respire várias vezes, profundamente. Em cada respiração sinta o seu corpo atingir um profundo relaxamento. Descontraia a sua mente e deixe o seu pensamento correr. Procure não se reter em nenhum dos seus pensamentos. Sinta que se relaxa e encontra a calma dentro de si.
Este estado profundo é uma fonte de nutrição e de cura para si. Saiba que pode encontrar aí tudo o que precisa de saber para se curar. Se tem um problema de saúde ou uma pergunta a fazer à sua intuição acerca do seu corpo, aproveite a ocasião para o fazer.»

Shakti Gawain, "Vivendo na Luz", Pergaminho, 1999  

sexta-feira, 7 de junho de 2013

ninguém é filho das ervas #19


«A contradição é só aparente: as nossas posições não convergem porque temos pontos de vista paralelos.»

Dimíter Ánguelov

quinta-feira, 6 de junho de 2013

quero outra noite no fim do dia #16




«"As tuas flechas não chegaram ao alvo," observou  o Mestre, "porque espiritualmente tu não alcanças bastante longe. Deves proceder como se o alvo se encontrasse infinitamente afastado. Para nós, mestres arqueiros, é facto assente que um bom arqueiro consegue atirar mais longe com um arco medianamente forte do que um arqueiro não-espiritual como o mais forte arco possível. É que não depende do arco, mas sim da presença de espírito, da vitalidade e da consciência com que se dispara. De modo a libertares toda a força desta consciência espiritual, deves executar a cerimónia de modo diferente: mais como um bom bailarino dança. Se assim o fizeres, os teus movimentos originar-se-ão no centro, no apoio da respiração correcta. Em vez de desenrolares a cerimónia como algo aprendido de cor, será então como se estivesses a criar de acordo com a inspiração do momento, de tal modo que a dança e o bailarino serão uma e a mesma coisa. Executando a cerimónia como uma dança religiosa, a tua consciência espiritual desenvolverá toda a sua força."»      

Eugen Herrigel, "Zen e a arte do tiro com arco", Via Optima, 1987

quarta-feira, 5 de junho de 2013

prove que não é um robô #1






sou dentro de mim o que quer fugir
embora vá recusando a cada bafo
o panorama dos astronautas


tiro notas
dos calendários gigantes
das marés do sol e da lua
do rasto agrícola das nossas mãos
sobre a mesa


de madrugada
remo como exilado inca
em direcção à luz


se ainda me for fácil mentir direi
é afinal a única substância do poema
este cigarro entre estrofes

Miguel-Manso, "Contra a Manhã Burra", Mariposa Azual, 2009

terça-feira, 4 de junho de 2013

o poeta sabe menos que o poema #4


nem todos os homens que
saem de minha casa saem de minha cama
nem todos aqueles que
saem da minha cama saem de dentro de mim
nem todos os que
saem de dentro de mim chegaram sequer a lá entrar
não, nada é tão líquido assim 

Bénédicte Houart, "Vida: Variações", Cotovia, 2008

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Toda a humilhação leva à morte #22


    «Por felicidade, contudo, o que é o ser? - Não há senão maneiras de ser, sucessivas. Há tantas quanto objectos. 
Tantas quantos os batimentos de pálpebras.
      Tanto quanto, tornando-se nosso regime, um objecto nos concerne, também o nosso olhar o cerca, o discerne. 
Trata-se, graças aos deuses, de uma "discrição" recíproca; e o artista acerta logo no alvo.
      Sim, só o artista, então, sabe como fazer.
      Deixa do olhar, atira ao alvo.
      O objecto, é certo, acusa o golpe.
      A verdade afasta-se em voo, indemne.
      A metamorfose aconteceu.» 
    
Francis Ponge, "Alguns poemas", Edições Cotovia, 1996

domingo, 2 de junho de 2013

Chamada a pagar no destinatário #18


«Shock me, make me feel better. Shock me, put on your black leather. Shock me, we can come together» 

sábado, 1 de junho de 2013

dedicatória #24*


* dedicada a todos os agentes especiais.