"Gostava de ser aquilo que não sou" é a nossa ideia secreta, mas fixa. Transmutação dos metais e transmutação dos valores são quimeras dos alquimistas e sofistas, porém a transmutação dos destinos é a vontade de todos. Fugir de nós mesmos, tornar-nos outros, evadir-nos.
Ninguém se trocaria por um dos seus semelhantes, mas todos se trocariam pelo seu sonho. Porque o homem quer conquistar, mas sem deixar de se possuir. Deseja a continuidade do seu eu e, juntamente a sua metamorfose - pretensão contraditória que constitui um dos episódios do eterno automatismo.
O homem ama-se e desama-se. Diante dos outros, mostra-se quase sempre satisfeito consigo - com medo de ser ultrapassado ou emulado -, mas quando está só com o seu eu, experimenta um tédio, uma repulsa, uma repugnância, que em regra se transformam em desejo de transformação. Nem todos são capazes de se contemplar sem adulação até às últimas raízes e reconhecer, ainda que no sigilo da alma, a sua miséria, mas quase todos têm a sua sensação e, com frequência, a certeza - o tédio de si pode notar-se mesmo sem as formas de juízo. E os outros instintos - soberba, gula do mais e do novo - ajudam a desejar a mudança. Existe com frequência em nós o narcisismo, mas o espelho é sempre colocado no passado e no futuro - no presente, nunca.»
Giovanni Papini, "Relatório Sobre os Homens", Livros do Brasil, 1986
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