quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Teoria da Conspiração #42 (ou o K-pop Style PSY)


«O homem é tão propenso a dedicar-se ao que há de mais vulgar, o espírito e os sentidos tornam-se tão facilmente insensíveis à impressões do belo e do perfeito que uma pessoa deveria por todos os meios manter em si a capacidade de as sentir. Pois ninguém pode passar inteiramente sem um tal prazer e só a falta de hábito de desfrutar algo bom leva muitas pessoas a encontrar prazer no que é tolo e de mau gosto, desde que seja, simplesmente, novidade.»

Goethe, "Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister", Relógio D'Água, 1998

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

diário dos mesmos pesares #24


«Tudo o que vejo neste mundo está animado dum movimento simultâneo de vaivém: tudo simultaneamente avança e simultaneamente recua, como o fole do ferreiro, como, ao sinal verde ou vermelho, tudo na minha prensa muda para o seu contrário, e só assim o mundo consegue avançar sem tropeçar.»

Bohumil Hrabal, "Uma solidão demasiado ruidosa", Edições Afrontamento, 1992

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

a temperatura do corpo #22


«Falta de amor, de justiça e de compaixão, mas sempre falta de amor; demasiada dureza, altivez e toda a sorte de crimes - eis o que sou. Tenho a certeza de que não pratico o mal apenas por fraqueza e cobardia, ultrajando ainda assim a minha maldade. Anseio pelo dia em que a alma não mais há-de querer habitar este corpo feliz, corrompido pela melancolia, pelo dia em que haverá de abandonar esta figura ridícula de lama e podridão, mas que é apenas uma imagem fiel de um século ímpio e maldito. Meu Deus, apenas uma pequena centelha de pura alegria e seríamos salvos; amor e seríamos redimidos»

Carta de Georg Tackl a Ldwig von Ficker, datada de Salzburg de 26/6/1913


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

ninguém é filho das ervas #14


2 – Versos

Os versos de Hölderlin:

“Dificilmente abandona / o seu lugar aquele que mora perto da origem.”

E o comentário de Heiddeger a estes versos:

“De modo inverso, quem facilmente abandonar o lugar comprova que não tem origem e se limita a estar presente como que por acaso.”


Gonçalo M. Tavares | "Sobre os tempos", 2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

Até hoje foi sempre futuro #4
















«O caso é que as nossas palavras já não correspondem ao que se passa no mundo. Quando as coisas faziam parte de um todo, sentíamo-nos confiantes de que as nossas palavras podiam exprimir essas coisas. Mas, pouco a pouco, essas coisas fragmentaram-se, espalharam-se, caíram num caos. E, contudo, as palavras permaneceram as mesmas. Não se adaptaram à nova realidade»  

Paul Auster, "A Trilogia de Nova Iorque", Difusão Cultural, 1990

sábado, 26 de janeiro de 2013

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

K, o elemento estranho da tabela literária #5


«"Não sei", gritei eu sem ser ouvido por ninguém. "Não sei. Se ninguém vier, olha... Não fiz mal a ninguém, ninguém me fez mal a mim, mas também ninguém me vem ajudar. Um bando de gente nenhuma. Bem, não é verdade. Só que ninguém me vem ajudar - um bando de gente nenhuma, por outro lado, era óptimo. Adorava ir num passeio de gente nenhuma - e porque não? Num passeio às montanhas, como é obvio. Olha a gente nenhuma a acotovelar-se, com os braços levantados, os seus muitos pés caminham todos juntos! E vestidos a rigor, pois então! Lá seguimos alegremente, enquanto o vento vai soprando em volta e por entre as frestas que os nossos corpos desenham. As nossas gargantas exultam! Nem sei como não começamos a cantar!"»

Franz Kafka, "Contos", Cavalo de Ferro, 2004

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Imediatamente embora pouco a pouco #27


«Teremos dias nos quais pertenceremos uma à outra; mas, gradualmente, a minha consciência vai começar a limitar-me - as cartas não respondidas, as coisas por fazer. E, aos poucos, vou tornar-me outra vez profissional, estarei no palco ou diante de uma câmara, ou em reuniões, e pensarei nela, lá em casa, a quem eu pareço sempre faltar, porque não consigo encontrar nenhuma solução para combinar a sua infância com a minha vida de mulher adulta.
Como as outras pessoas conseguem, nos livros, e eu acho que outras mulheres acabam por conseguir, em suas casas.»

 Liv Ullmann, "Mutações", Nova Nórdica, 1984

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

ri-te, Rousseau


©Zeitlin, Benh;2012

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #6


«Era uma ideia que não me saía da cabeça. Foi até esse o principal motivo porque acompanhei até aqui o príncipe, que é general ao serviço da... 
Foi por ocasião de um passeio que lhe comuniquei o meu projecto: ele, porém, aconselhou-me a que não o realizasse. Seria uma teimosia, em vez de um simples capricho, não atender às razões que me apresentou.»  

Goethe, "Werther", Guimarães Editores, 1998

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

electrocardioTrama #13 (ou a actividade misteriosa do limite)


«A experiência interior corresponde à necessidade em que me acho - e a existência humana comigo - de pôr tudo em causa (em questão), sem admissão de repouso.»

domingo, 20 de janeiro de 2013

o Mal-estar da Civilização #34


«À medida que os computadores encolheram até ao tamanho de iPhones e BlackBerrys, o banquete passou a ser volante, disponível a qualquer hora, em qualquer lugar. Em casa, no trabalho, no carro, na sala de aula, na carteira, no bolso. Mesmo aqueles que estão conscientes da influência sempre crescente da Internet, raramente permitem que as suas preocupações interfiram com o uso que fazem e com o modo como desfrutam da tecnologia.
O crítico de cinema David Thomson afirmou uma vez que “as dúvidas podem-se tornar fracas face à certeza do meio”. Ele estava a falar do cinema e de como ele projecta as suas sensações e sensibilidades não só na tela mas também em nós, a plateia absorta e complacente. A sua afirmação aplica-se com mais força ainda à Internet. O ecrã do computador desfaz as nossas dúvidas com as suas benesses e comodidades. É tão bom como nosso servo que pareceria indelicado sublinhar que é também nosso amo.»

Nicholas Carr, "Os Superficiais - O que a internet está a fazer aos nossos cérebros", Gradiva, 2012

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A vida não é um sonho #27


«São os primeiros empenhos exame do valor e como que um sair à vista da fama e do caudal.
Não bastam milagres de progressos para realçar princípios ordinários, pois, quando muito, todo o esforço depois é remendo do antes.
Um bizarro princípio, alem de pôr em súbito traste o aplauso, empenha muito o valor.
É a suspeita, em matéria de reputação aos princípios, da condição do danado, pois que se uma vez entra, nunca mais sai do desprezo.» 

Baltasar Gracián, "O Herói", frenesi, 2003 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Dicionário das causalidades #19


T

Teísmo 

«A verdadeira missão do capital consiste em assegurar constantemente o prosseguimento alargado do seu próprio movimento. Tem por vocação derrubar todas as situações em que as barreiras à exploração, como os usos e costumes e a legislação complicam a sua marcha vitoriosa. Assim sendo, não há nenhum capitalismo sem a propagação triunfal desse desrespeito a que os críticos da época dão desde o século XIX o nome pseudofilosófico de "niilismo". Na verdade, o culto do nada mais não é do que o efeito secundário inevitável do monoteísmo monetário, para o qual todos os outros valores só são ídolos e simulacros.»

Peter Sloterdijk, "Cólera e Tempo", Relógio D'Água, 2010

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Toda a humilhação leva à morte #18


«Se considerarmos que o palco só difere da vida real pela falta da quarta parede, pelas mudanças de cenário e pela linguagem teatral dos intérpretes, o cinema afasta-se muito da vida. A posição do espectador muda constantemente, dado que o consideramos sempre do ponto de vista da câmara.» 

Rudolf Arnheim, "A Arte do Cinema", Edições 70, 1989

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

a poesia não me interessa #40



Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Todos saben que vivo,

que soy malo; y no saben
del diciembre de este enero.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Hay un vacío

en mi aire metafísico
que nadie ha de palpar:
el claustro de un silencio
que habló a flor de fuego.
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Hermano, escucha, escucha...

Bueno. Y que no me vaya
sin llevar diciembres,
sin dejar eneros.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Todos saben que vivo,

que mastico... Y no saben
por qué en mi verso chirrían,
oscuro sinsabor de féretro,
luyidos vientos
desenroscados de la Esfinge
preguntona del Desierto.

Todos saben... Y no saben

que la Luz es tísica,
y la Sombra gorda...
Y no saben que el Misterio sintetiza...
que él es la joroba
musical y triste que a distancia denuncia
el paso meridiano de las lindes a las Lindes.

Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo,
grave.

César Vallejo, "Trilce", Ed. Cátedra, 1998

domingo, 13 de janeiro de 2013

diário dos mesmos pesares #23


«294 Suou que se fartou, passou noites em claro, rojou-se pela lama, sofreu vexames, foi amável e servil para quem detestava, fez favores a quem desejava insultar, rabeou pela imprensa para ser em público, emagreceu na luta, ajoelhou-se, ameaçou quando a ameaça era funcional, deu mesmo alguns socos para maior funcionalidade, e mais e mais. Mas por fim venceu. Como é que esta vitória se equilibra com as derrotas que a antecederam? E as que virão depois?»

Vergílio Ferreira, "Pensar"‎, Bertrand Editora, 1992   

sábado, 12 de janeiro de 2013

ninguém é filho das ervas #13


«Pediram-lhe para rezar, mas ele só se lembrava da tabuada.»
Hans Christian Andersen 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

espécie de oração particular #23


«Deixem-me! Deixem-me! Deixem-me só e livre com isto, deixem-me viver para isto! Deixem-me fechado a sete chaves com o sonho que me enche de ridículo, que não existe e é a razão da minha vida. Deixem-me ir para a cova agarrado a este nada imenso que me doirou as mãos e me deixou atónito. Só no fundo da cova é que estou bem, sós a sós, fechado com ele para sempre.»

Raul Brandão, "Húmus", Campo das Letras, 2000

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Teoria da Conspiração #41 (ou o monólogo íntimo de cada coisa)


«O que se passa com o falar e escrever é propriamente uma coisa maluca; o verdadeiro diálogo é um mero jogo de palavras. Só é de admirar o ridículo erro: que as pessoas julguem falar em intenção das coisas. Exatamente o específico da linguagem, que ela se aflige apenas consigo mesma, ninguém sabe. Por isso ela é um mistério tão prodigioso e fecundo – de que quando alguém fala apenas por falar pronuncia exatamente as verdades mais esplêndidas, mais originais. Mas se quiser falar de algo determinado, a linguagem caprichosa o faz dizer o que há de mais ridículo e arrevesado. Daí nasce também o ódio que tem tanta gente séria contra a linguagem. Notam sua petulância, mas não notam que o desprezível tagarelar é o lado infinitamente sério da linguagem. Se apenas se pudesse tornar compreensível às pessoas que com a linguagem se dá o mesmo que com as fómulas matemáticas – Elas constituem um mundo por si – Jogam apenas consigo mesmas, nada exprimem a não ser sua prodigiosa natureza, e justamente por isso são tão expressivas – justamente por isso espelha-se nelas o estranho jogo de proporções das coisas. Somente por sua liberdade, são membros da natureza e somente em seus livres movimentos a alma cósmica se exterioriza e faz delas um delicado metro e compêndio das coisas.»

Novalis, "Pólen", Iluminuras, 2009

domingo, 6 de janeiro de 2013

Faz-me, ó Noite, duvidar


©Macdonald, Kevin;2003

sábado, 5 de janeiro de 2013

Perguntas Abandonadas #26


«Queres, meu irmão, ir para a solidão? Queres procurar o caminho que leva a ti mesmo? Espera ainda um pouco e ouve.
"Aquele que procura, facilmente se transvia. Toda a solidão é um pecado" - assim fala a multidão, o rebanho; e tu pertenceste ao rebanho durante muito tempo.
Ainda durante muito tempo a voz do rebanho há-de falar no fundo de ti. E quando disseres: "Eu já tenho uma consciência como a vossa", isso será para ti uma queixa e uma dor.
Porque foi ainda esta consciência comum que produziu esta dor: a última centelha dessa consciência lança ainda um reflexo sobre a tristeza.
Mas queres seguir o caminho da tristeza, o caminho para ti mesmo? Então mostra-me se tens esse direito e essa força.
Acaso és força nova e direito novo? Primeiro movimento? Roda que gira por si mesma? Podes obrigar as estrelas a gravitar à tua volta?
Ai! vemos tantas ambições pelas alturas! Tantas contorções de ambiciosos! Mostra-me que não és um gozador nem um ambicioso.
Ai! Existem tantos pensamentos grandes que apenas fazem o mesmo que um fole: inchando aumentam o vazio.
Declaras-te livre? O que quero conhecer é o teu pensamento fundamental; não quero saber qual é o jugo que sacudiste.
Pertencerás tu aos que têm o direito de se subtrair ao jugo? Há quem perca o seu último valor no dia em que se liberta da sua sujeição.»

Friedrich Nietszche, "Assim Falava Zaratustra", Guimarães Editores, 1964

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Retrato de Família #23


John B. Karamazov (1800-1859)

«Aguardo o momento da minha execução pública com grande tranquilidade de espírito e boa disposição, firmemente convicto de ser esta a melhor forma de servir o bem e a humanidade, e nada do que eu ou a minha família sacrificámos ou sofremos foi em vão.»

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Chefe, precisamos de mentiras novas #13


«Não faz mal, não faz mal, 
disse para mim, não faz mal.» 

Venedikt Erofeev