sexta-feira, 30 de novembro de 2012
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
a poesia não me interessa #38
«Qualquer poema é um filme, e o único elemento que importa é o tempo, e o espaço é a metáfora do tempo, e o que se narra é a ressurreição do instante exactamente anterior à morte, a fulgurante agonia de um nervo que irrompe do poema e faz saltar a vida dentro da massa irreal do mundo.
Não existe outra metáfora que não seja o espaço; aquilo a que chamam metáforas são linhas de montagem narrativa, o decurso da alegoria, o espectáculo.
O tempo de Deus é um espaço de uma forma luminosa narrativa de tal excedência que o tempo assimila a perenidade mítica; uma sustida agonia; uma ressurreição, digamos, mortífera.
Esta seria a montagem total; a memória como tecido ininterrupto ou a permanência rigorosa do imaginário no tempo; e a ilusão do mundo, inesgotável.»
Herberto Helder, "Photomaton & Vox", Assírio & Alvim, 2006
terça-feira, 27 de novembro de 2012
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
A vida não é um sonho #26
«Mónica, minha querida. Não sei se tu te entreténs aí na cova a divagar um pouco sobre o que aconteceu. Eu sim. É um modo de viver em duplicado, vivo a cópia mesmo já um pouco apagada do que foi. É um modo de o meu vazio estar cheio de outro vazio, mas menos, e com propriedades de enchimento.»
Vergílio Ferreira, "Em Nome da Terra", Bertrand Editora, 1990
domingo, 25 de novembro de 2012
electrocardioTrama #12 (ou a actividade silenciosa da leitura)
«_______ eu nasci em 1931, no decurso da leitura silenciosa de um poema. Só havia tecidos espalhados pelo chão da casa, as crenças ingénuas de minha mãe. Estavam igualmente presentes as páginas que os leitores haveriam de tocar (como a uma pauta de música), apenas com o instrumento da sua voz. Eu fui profundamente desejada. Profundamente mal desejada e com amor.
- A voz está sozinha - disse a minha mãe, ainda eu estava no seu ventre, a ler-me poesia.
- Não por muito tempo - responderam àquela que me iniciava na língua. E eu nasci na sequência de um ritmo.
Eu nasci para acompanhar a voz, fazê-la percorrer um caminho. De um lado a outro do percurso, não sei o que existe, o caminho caminha,
eu deslumbro-me quando o tempo se suspende,
e me permite parar a contemplar o espaço sem tempo.»
sábado, 24 de novembro de 2012
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Até hoje foi sempre futuro #3
«Algumas noites amei enquanto rodavam ribeiras
antigas, degrau a degrau subi o corpo daquela que se enchera
de minúsculas folhas eternas como uma árvore.
Degrau a degrau devorei a alegria -
eu, de garganta aberta como quem vai morrer entre águas
desvairadas, entre jarros transbordando
húmidos astros.
Algumas vezes amei lentamente porque havia de morrer
com os olhos queimados pelo poder da lua.
Por isso é de noite, é primavera de noite, e ao longe
procuro no meu silêncio uma outra forma
dos séculos. Esta é a alegria coberta de pólen, é
a casa ligeira colocada num espaço
de profundo fogo.
E apagaram-se as luzes.
- Onde aguardas por mim, espécie de ar transparente
para levantar as mãos? onde te pões sobre a minha palavra,
espécie de boca recolhida no começo?
E é tão certo o dia que se elabora.
Então eu beijo, de grau a degrau, a escadaria daquele corpo.
E não chames mais por mim,
pensamento agachado nas ogivas da noite.»
Herberto Helder, "Ou O Poema Contínuo", Assírio & Alvim, 2004
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
a temperatura do corpo #21
«Imaginai um dia de cerrado nevoeiro, em que vos fatigais inutilmente na procura dum rosto conhecido, dum sinal que vos oriente, dia em que tudo foge diante de vós, como uma fantasmagoria de mau sonho.
E o informe que se vos furta, que nenhuma relação tem convosco, esfíngico corpo desfeito à aproximação das exigências do tacto.
O Sol espanca a névoa, e, de repente, mostra-vos, em airoso corpo, vigorosas linhas, o sólido mundo da nossa realidade, que a vista contorna, o ouvido escuta e o tacto palpa e empurra. Como ao sair dum pesadelo, é todo um novo mundo de tranquilidade, bem-estar e segurança, que vos sorri. Compreendeis, então, como a geometria é a ossatura do vosso mundo; como ele, sem forma, seria animal sem esqueleto, irradio fantasma fugidio, sem núcleo, sem apoio, inválido e insubsistente.»
Leonardo Coimbra, "A Alegria, a Dor e a Graça", Grupo de Investigação de Pensamento Português CFUL, 2012
terça-feira, 20 de novembro de 2012
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Retrato de Família #21
Bruno S. Karamazov (1892-1942)
«Que sentido o desta desilusão universal perante a realidade, não saberei dizê-lo. Só afirmo que ela não seria suportável se não soubesse indemnizar numa outra dimensão qualquer. De certo modo sentimos satisfação profunda ao abrandar-se a trama da realidade, sentimos interesse por essa bancarrota.»
domingo, 18 de novembro de 2012
Inaugurar sentimentos, o amor por vir #4
«Luz e trevas são a mesma coisa, em ambas reside a mesma energia. Quem possui ouro no seu âmago tem de aprender a trabalhar com ele, para que as outras pessoas consigam ver que, por trás da aparente escuridão, existe um ser de luz, um ser luminoso. A luz vem das trevas, pois é aí que nasce a luz.»
Rui Chafes, "Entre o Céu e a Terra", Edições Documenta, 2012
Etiquetas:
Inaugurar sentimentos o amor por vir
sábado, 17 de novembro de 2012
a poesia não me interessa #37
Perdi-me em Hölderlin e achei-me em Dante
no sítio mais distante da estante;
a meio da vida, quando a seara de-
via estar semeada e a casa construída.
Enquanto lia os clássicos e me dava
inutilmente para a melancolia,
Maria Hermínia, a Musa, ávida, deitava
contas à vida, à minha única vida:
faltava-me algures uma Ode (e um Amor Louco)
e, fora isso, lia muito e escrevia pouco;
os tempos iam para a Crítica, e ela seria,
a Musa-Ela-Própria, a minha tão certa secretária.
E por aí fora; que, se não me atasse
por minhas mãos ao Destino, desatinaria
(se não me matasse). Despedia-a.
Não me peças pois Harmonia, irmão leitor, meu semelhante:
pede-me medo. Sob o seu telhado dissonante
fiz o fogo e consumi a forma, e atrás da porta
guardei a minha vida, metade viva metade morta,
e os meus livros, seu cego instrumento.
Igual aos deuses (com pouco me contento),
de livros e silêncio me alimento.
Manuel António Pina, "Poesia Reunida", Assírio & Alvim, 2001
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Chefe, precisamos de mentiras novas #12
«Só há quatro maneiras de um grupo dominante perder o poder. Ou é vencido do exterior, ou governa de modo tão pouco eficiente que as massas acabam na revolta, ou permite que se forme uma classe Média forte e descontente, ou perde a confiança em si próprio e a vontade de governar. Causas que não agem isoladamente e, regra geral, todas as quatro se conjugam em maior ou menor escala. uma classe dominante capaz de se defender contra todas elas permaneceria eternamente no poder. Em última análise, o factor determinante reside na atitude mental da própria classe dominante.»
George Orwell, "1984", Antígona, 2007
Etiquetas:
Chefe precisamos de mentiras novas
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
ninguém é filho das ervas #10
«As palavras pedra ou faca ou maçã, palavras concretas, são bem mais fortes, poeticamente, do que tristeza, melancolia ou saudade. Mas é impossível não expressar a subjetividade. Então, a obrigação do poeta é expressar a subjetividade mas não diretamente. Ele não tem que dizer eu estou triste. Ele tem é que encontrar uma imagem que dê idéia de tristeza ou do estado de espírito - seja ele qual for - por meio de palavras concretas e não simplesmente se confessando na base do eu estou triste.»
João Cabral de Melo Neto
terça-feira, 13 de novembro de 2012
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
domingo, 11 de novembro de 2012
sábado, 10 de novembro de 2012
Momento Pergaminho #12
«Ao executares pela primeira vez o trabalho de que falo, só encontras escuridão e como que uma nuvem de desconhecimento. [...] Por conseguinte, dispõe-te a permanecer na escuridão o mais que puderes, clamando sempre por Aquele que amas. É que, se alguma vez O houveres de sentir ou ver, na medida do possível neste mundo, tal só deverá acontecer nesta nuvem e nesta escuridão.»
«Mas se chegares a esta nuvem do não-saber, para aí ficares a trabalhar como te digo, que hás-de fazer? Assim como tal nuvem se encontra em cima, entre ti e o teu Deus, assim deves colocar em baixo uma nuvem de esquecimento, entre ti e todos os seres criados. [...] Numa palavra, todas as coisas se devem ocultar sob a nuvem do esquecimento.»
Místico anónimo inglês, 1390
«Mas se chegares a esta nuvem do não-saber, para aí ficares a trabalhar como te digo, que hás-de fazer? Assim como tal nuvem se encontra em cima, entre ti e o teu Deus, assim deves colocar em baixo uma nuvem de esquecimento, entre ti e todos os seres criados. [...] Numa palavra, todas as coisas se devem ocultar sob a nuvem do esquecimento.»
Místico anónimo inglês, 1390
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
A vida não é um sonho #25
«Uma mulher muito magra mede a sua cintura com uma fita métrica amarela.
Depois debruça-se sobre a mesa e escreve algo num papel.
Julgamos que é um número, mas agora, quando vemos de perto o papel, vemos que não é um número. A mulher não apontou a medida da cintura mas sim uma palavra.
É uma palavra, mas não conseguimos perceber qual.
Agora sim, finalmente, conseguimos ler. São afinal, três palavras: magra de mais.
A mulher pega de novo na fita métrica e mede, de novo, com rigor, a sua cinta.
Debruça-se outra vez e agora vemos o que ela escreve.
De novo escreve: magra de mais.»
Gonçalo M. Tavares, "Short Movies", Editorial Caminho, 2011
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
diário dos mesmos pesares #21
«Olho para as ciganas do meu bairro, este bairro do mundo de Jonet, e imponho-me uma estóica reaprendizagem de ser pobre. Isto de reaprender a ser pobre tem muito que se lhe diga, porque só reaprende a ser pobre quem já o foi e deixou de ser.»
hmbf, "http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/", Quarta-feira, 7 de Novembro de 2012
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Dicionário das causalidades #17
R
Responder
«Quem esbarra, ao escrever, numa verdade que o acto de escrever não poderia respeitar, talvez seja irresponsável, mas, por maioria de razão, deve responder por essa irresponsabilidade; deve responder por ela sem a pôr em causa, sem a trair, ela é algo de secreto até por si próprio: a inocência que o preserva não lhe pertence: pertence ao lugar que ocupa e que ocupa falivelmente, com o qual não coincide.
Não basta distinguir na vida do artista várias partes irredutíveis. Também não é o seu comportamento que importa, a maneira como se protege com os seus problemas ou como, pelo contrário, os cobre com a sua existência. Cada um responde como pode e como quer. A resposta de um não convém a nenhum outro, é sem utilidade, responde ao que necessariamente ignoramos e, nesse sentido, é indecifrável, nunca exemplar: a arte oferece-nos enigmas mas, felizmente, nenhum herói.»
Maurice Blanchot, "O Livro por Vir", Relógio D'Água, 1984
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
domingo, 4 de novembro de 2012
sábado, 3 de novembro de 2012
quero outra noite no fim do dia #12
Robert Walser, "Histórias de Amor", Relógio d'Água, 2008
Etiquetas:
quero outra noite no fim do dia
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
espécie de oração particular #21
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen, "Obra Poética III", Editorial Caminho, 1991
Subscrever:
Mensagens (Atom)