terça-feira, 19 de junho de 2012

o Mal-estar da Civilização #28



«Os moralistas teóricos chamam “boas” apenas às acções que são expressão de moções pulsionais boas, e negam o seu reconhecimento às demais. Mas a sociedade, guiada por propósitos práticos, não se preocupa com tal distinção; contenta-se com que um homem oriente o seu comportamento e as suas acções segundo as prescrições culturais, e não se interroga sobre os seus motivos.
Vimos que a coerção externa, exercida sobre o homem pela educação e pelo meio ambiente, suscita uma ulterior transformação da sua vida pulsional no sentido do bem, uma viragem do egoísmo para o altruísmo. Mas este não é o efeito necessário ou regular da coacção exterior. A educação e o ambiente não se limitam a oferecer prémios de amor, mas lidam também com prémios de outra natureza, com a recompensa e o castigo. Podem, pois, fazer que o indivíduo submetido à sua influência se resolva a agir bem, no sentido cultural, sem que nele tenha realizado um enobrecimento das pulsões, uma mutação das tendências egoístas em tendências sociais. O resultado será, no conjunto, o mesmo; só em circunstâncias especiais se tornará patente que um age sempre bem, porque a tal o forçam as suas inclinações pulsionais, mas o outro só é bom porque tal conduta cultural traz vantagens aos seus intentos egoístas, e só enquanto e na medida em que as procura. Nós, porém, com o nosso conhecimento superficial do indivíduo, não temos meio algum de distinguir os dois casos, e o nosso optimismo induzir-nos-á decerto a exagerar desmesuradamente o número dos homens transformados pela cultura.»


Albert Einstein, Sigmund Freud, "Porquê a Guerra? Reflexões sobre o destino do mundo", Edições 70, 1997

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