sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Orelhas de Elefante #41


«E tu, canção – mensagem, vai e diz
o que disseste a quem quiser ouvir-te.
E se os puristas da poesia te acusarem
de ser discursiva e não galante
em graças de invenção e de linguagem,
manda-os àquela parte. Não é tempo
para tratar de poéticas agora»

Jorge de Sena

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Dicionário das causalidades #22



X

Xiu

«Nenhum riso antes do meio-dia.
Severa proibição, cumprida sem grande esforço porque são terras onde se ri pouco e se acusa o riso, 
como a volubilidade, de baixar a reserva de mágicas»

Henri Michaux, "No País da Magia", Hiena Editora, 1987

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

a queda do barbeiro



 ©Benigni,Roberto;2005

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

a perfeição é uma dada forma de imperfeição #7


«Era uma vez três seres sob o signo do humano, de uma pureza dissoluta.
Não absoluta, porque o absoluto é vão.»
(M. G. Llansol, Caderno 1.15, 332 | 20.3.1984)


«Naturalmente, como a consciência estética apenas tem consciência de uma parte do que faz, o esforço para atingir a absoluta necessidade e, por essa via, a vanidade absoluta é, ele próprio, sempre vão.»
(Maurice Blanchot, Faux pas, 1943)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

o Osso do Meio #1




«Bem sei que até a luz do Sol pode dizer mentiras, mas não era visível que nenhum jogo de luz ou pose pudesse dar-lhe ao rosto um ar de tão delicada ingenuidade. Parecia pronta a ouvir-nos sem reservas mentais, sem suspeitas, sem pensamentos reservados. Acabei por resolver que iria eu próprio devolver-lhe o retrato e as cartas. Curiosidade? Sim, mas sentimentos de outra espécie, talvez. Todo o espólio de Kurtz me passara pelas mãos: - alma, corpo, o posto, os planos, o marfim, a carreira. Só restavam a sua memória, a sua Prometida - e de certo modo eu queria restituir aquilo ao passado - eu próprio entregar tudo quanto me restava dele ao esquecimento que era palavra última do nosso destino comum. Não estou a defender-me. Eu não tinha uma percepção clara do que realmente se passava em mim. Talvez fosse um impulso de inconsciente lealdade ou satisfação de uma destas exigências irónicas que espreitam nos actos da vida humana. Sei lá. Não posso dizê-lo. Mas fui.»

Joseph Conrad, “O Coração das Trevas”, Editorial Estampa, 2006

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Teoria da Conspiração #48 (ou a Purgação da Mora Incerta)



«- Recebe muito por este trabalho? - perguntou Jaimemorto.
 - Fornecem-me a barca - disse o homem - e pagam-me em vergonha e em oiro.
À palavra "vergonha", Jaimemorto instintivamente recuou e isso chateou-o.
 - Tenho uma casa - disse o homem que, reparando no gesto de Jaimemorto, sorria. - Dão-me de comer. Dão-me oiro. Muito oiro. Mas não tenho o direito de o gastar.  Ninguém me quer vender nada. Tenho uma casa e muito oiro, mas sou obrigado a digerir a vergonha da aldeia inteira. Pagam-me para  eu ter remorsos, em vez deles. De tudo o que de mal ou ímpio fazem. De todos os seus vícios. Dos seus crimes. Da feira dos velhos. dos animais torturados. Dos aprendizes. E do lixo.
Calou-se por uns momentos.»

Boris Vian, "O Arranca Corações", Editorial Estampa, 1970

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Homem é um grande faisão sobre a terra #4



«Encontrava-me de vigia no mastro de traquete e, com as espáduas apoiadas às enxárcias do sobre da proa, deixava-me embalar preguiçosamente naquela atmosfera encantada.
Antes de me abandonar porém um total esquecimento de tudo, tinha observado que os vigias do mastro grande e do mastro da gata dormitavam, de tal modo que, afinal de contas, nos balouçávamos todos três sem vida no estais e a cada oscilação correspondia um cabecear do timoneiro sonolento do timão. As vagas cabeceavam indolentes e, no meio do grande entorpecimento do mar, o Leste pendia a cabeça para o Oeste e, por cima de tudo, o próprio Sol dormia.
Subitamente, foi como se bolhas gigantescas me rebentassem debaixo das pálpebras. Agarrei-me às enxárcias com as mãos crispadas. Uma força qualquer invisível e amiga acabava de me salvar.» 

Herman Melville, "Moby Dick", Relógio D'Água, 2007  

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

interpretose now #16



«Observai o observador observado». 
William S. Burroughs

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Recomposições de Metades #8



«Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração
e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio  A descoberta  A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
Embora subterrâneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo»

Daniel Filipe, «A invenção do amor e outros poemas», Editorial Presença, 2006

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Pausa do mundo #3



"Onde há vida, há morte. Morrer é fácil, o difícil é viver. E quanto mais difícil, maior é a vontade de viver. E quanto maior é o medo da morte, mais a gente luta para continuar viva."

Mo Yan, "Peito Grande, Ancas Largas", Ulisseia, 2012

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #21



«Não é verdade que ter uma amada é uma boa desculpa para muita coisa? Para me casar sou demasiado velho e demasiado novo, demasiado inteligente e demasiado inexperiente. Mas, se tiver de ser, não digo não. Pessoas há que são muitas vezes tomadas por competentes, só porque fazem muito alarido, prova da importância que tem a superficialidade. Se mostro ser superficial, agrado às pessoas. Basta a leviandade para as conquistar. Se amarmos alguém, comportam-nos de maneira indelicada; é por isso que os amantes muitas vezes não tem sucesso. O amor não produz tanto efeito como a sua aparência.»

Robert Walser, "A Rosa", Relógio D'Água, 2004  

sábado, 15 de fevereiro de 2014

prove que não é um robô #8



«Porque de tudo o pior, quando se espanca um animal, é não se lhe poder pedir perdão. 
Sendo, em seguida, de perdão do que mais se precisa.» 

Stig Dagerman, "O Vestido Vermelho", Antígona, 1989


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

ninguém é filho das ervas #27



«Sou um homem: nada do que é humano me é estranho» 
Terêncio

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Alice no Quarto das Maravilhas #1


quarto de E. A. Poe

quarto de F. Kafka

quarto de B. Vian

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Perguntas Abandonadas #37


«JULIETA
Dizei-me: como vieste até aqui e para quê? Os muro do jardim são altos e difíceis de escalar; e este lugar será a morte se algum dos meus parentes te descobre aqui.

ROMEU
Transpus este muros com as leves asas dos amor, porque não são as barreiras de pedra que o podem embaraçar; e o que o amor tem possibilidade de fazer ousa logo tentá-lo! Por isso mesmo, não são os teus parentes que me servirão de obstáculo.

JULIETA
Se eles te vêem, matar-te-ão.

ROMEU
Ai! Há mais perigos nos teus olhos do que em vinte das suas espadas. Basta que me olhes com ternura e ficarei couraçado contra a sua inimizade.

JULEITA
Por nada deste mundo eu quereria que te vissem aqui.

ROMEU
O manto da noite oculta-me aos olhos deles. Mas se tu me não amas, que importa que me encontrem? Seria melhor que o ódio deles pusesse fim à minha vida do que a morte tardasse faltando-me o teu amor.

JULIETA
Quem te ensinou este caminho?»

William Shakespeare, “Romeu e Julieta”, Publicações Europa-América, 2003  

domingo, 9 de fevereiro de 2014

espécie de oração particular #34



"O fim da minha respiração é começo da tua."
"Para si, se assim o deseja, não serei nada, ou apenas um sinal."
"A garra do leão rasga as entranhas da videira."
"O cor-de-rosa é melhor do que o negro, mas ambos se harmonizam."
"Frente ao mistério. Homem de pedra compreende-me."
"És o meu senhor. Não passo de um átomo que respira, ou expira, ao canto da tua boca. Quero palpar a serenidade de um dedo molhado de lágrimas."
"Porquê esta balança oscilante no negrume de um buraco cheio de bolas de carvão?"
"Não entorpecer as ideias com o peso dos sapatos."
"Sabia tudo, tanto procurei ler o meus rios de lágrimas"

André Breton, “Nadja”, Editorial Estampa, 1987

sábado, 8 de fevereiro de 2014

o poeta sabe menos que o poema #14



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros, “Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros”, Planeta do Brasil, 2010

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Imediatamente embora pouco a pouco #38



«É verdade que uma censura feita na hora certa pode, sob a sua influência, assustar uma consciência particularmente receptiva, provocando um arrependimento que suscita momentaneamente a boa resolução de frequentar o templo zelosamente. Mas com a passagem do tempo ei-nos de novo os pecadores de outrora. Assim, o arrependimento impele-nos a fazer a penitência, enquanto o aborrecimento da penitência nos arrasta para o pecado. É essa a sorte deplorável daqueles que, descontentes com os seus actos, mesmo se com isso não fazem mais do que obedecer ao espírito da época, não conseguem todavia emendar-se. Não têm força para nadarem contra a corrente, tal não têm a coragem nem a liberdade de espírito para se deixarem levar, de consciência tranquila, ao sabor das ondas do tempo.»  

Max Stirner, “Textos Dispersos”, Vega, 2003

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

o Mal-estar da Civilização #40



«Os homens nunca revelam os verdadeiros objectivos pelos quais actuam. Intimamente, exageram os motivos baixos, materiais: publicamente, anunciam os motivos nobres, espirituais. Mentem em ambos os casos. Os homens não conhecem os outros nem a si próprios.
A maior parte dos homens vive de instinto, hábito e imitação, animalmente - por vezes, com intermédios de felicidade inconsciente. Os poucos superiores sofrem, tentam, desesperam. Os mais elevados são os que desejam apenas as coisas inacessíveis, impossíveis (amor perfeito, arte perfeita, felicidade, eternidade, etc.).
Todos os homens tentam enganar o próximo. Todos os homens procuram superar e dominar o próximo. Todos os homens se imaginam no bem, no passado ou no futuro. Todos homens se esquecem dos verdadeiros fins e fazem dos meios os seus objectivos. Para onde quer que os homens se voltem, depara-se-lhes o impossível. Todos os homens se julgam mais que os outros.
Não basta aos homens possuir um bem, se não for maior que o do próximo. E, obtido um bem, cansam-se dele (saciedade, náusea) - ou então têm medo de o perder e padecem - ou desejam outro. Para obterem um bem imediato, não pensam no mal próximo que advirá.» 

Giovanni Papini, “Relatório sobre Os Homens”, Livros do Brasil, 1986



terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

We Can't Go Home Again



©Solondz,Todd;1998

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Chamada a pagar no destinatário #20



“More tears are shed over answered prayers than unanswered ones” 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

é meia-noite no fim do céu #18



«É necessário roubar o protagonismo a Deus.
Trazer o envelope cheio de acontecimentos
e apresentá-lo a todos, ao público,
ali, no palco.
é necessário abrir o envelope como se o animal só tivesse bico,
mas fosse hábil e delicado.
Porque alguém escreveu a carta antes (talvez o escritor)
e o actor não deve ler, deve ser: ou seja: subtil como o crescimento das plantas.
E como não há tempo para ser perfeito,
nem electrodomésticos para os sentimentos,
o importante é mesmo o genuíno animal ser genuíno. E assim quem vê vai ver.»

Gonçalo M. Tavares, "A Colher de Samuel Beckett e outros textos", Campo das Letras, 2002