quinta-feira, 6 de outubro de 2011

o homem de quarta-feira #40



«Do vasto corpus da literatura utópicaapenas em Andrei Platonov encontramos uma reflexão essencialsobre o “corpo utópico”.18 
Por falta de espaço, limitemo-nos a algumas observaçõessucintas, para recolocarmos o problema. Em O Poço daFundação19, publicado apenas em 1987, mas que foi escrito nosmeses de inverno de 1929 e 1930, o “corpo utópico” entra emcena ao mesmo tempo que a “utopia” se esvanece, enterrada no“poço” que ela própria originara: o de construir um “casa”perfeita, um “mundo” absolutamente feliz. A história tem a vercom a construção de uma casa para os futuros jovens nascidos na“revolução”. Alegoricamente está em causa o retorno da“humanidade” a casa, da única maneira como pode ser pensada.Construíndo-a. Sucede que o plano da casa é tão incomensurávele infixável, por razões misteriosas, que as fundações exigem um“poço” que vai crescendo desmesuradamente. Finalmente não há mais que um enorme buraco, esse imenso poço. Por uma “casa” que não chega a ser construída, de que apenas ficou o poço, todos os trabalhadores abandonaram as suas, os kulaks foram expulsos, as mortes sucedem-se, e no fim, até Nastya, a rapariguinha que parece representar o “novo começo”, também ela acaba por morrer.»


18 Andrei Platonov é autor de obras densas e fantasmagóricas, caso de O poçodas Fundações e Chevengur, que tendo sido escritas nos finais dos anos 20, sóforam publicadas, em russo, nos anos oitenta.
19 Em Inglês o título é The Foundation Pit, e em Francês La Fouille.


José A. Bragança de Miranda, "Corpo utópico", cadernos pagu (15) 2000: pp.249-270

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