«Por diversas noites, uma jovem religiosa, que sofria mais do que qualquer outra criatura a renúncia aos prazeres do corpo, recolheu os folhetos que alguém, secretamente, fizera passar por baixo da porta fechada da sua cela. Eram pedaços de um papel muito branco, sobre o qual se distinguia uma marca, provavelmente o desenho de uma parte do rosto. Primeiro um olho, uma madeixa de cabelo, depois uma orelha, a boca, a testa, o queixo. A religiosa, unindo os fragmentos, procurou compor o rosto e, com terror, sofria cada vez mais o fascínio que exalava aquela imagem ainda incompleta. Na última noite, quando estava certa que encontraria o último fragmento para completar o rosto do secreto sedutor, acendeu uma vela para queimar aquela imagem de tentação. E apercebeu-se que se tratava do rosto de Deus. Então, um a um, como se fossem hóstias consagradas, engoliu os fragmentos de todo aquele papel.»
Tonino Guerra, "Histórias para uma noite de calmaria" Assírio & Alvim, 2002
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