segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Teoria da Conspiração #6 (ou o cheiro da inconveniência)



«Florista: Compra-me uma rosa?
Artur: Não, hoje não.
Florista: É isso que oiço todos os dias da sua boca. (Para Edgar) E o senhor?
Edgar (compra a rosa e oferece-a à criada de mesa, com quem está a conversar.)
Artur: Só quero saber de mim e de mais ninguém, estou insatisfeito comigo mesmo, mas isso até produz um belo efeito. Esta criada é muito atraente, sente respeito por mim e está furiosa comigo. É melhor assim, do que se me fizesse sorrisos. Nesta vida, uma pessoa ou é tida por boazinha e tratada com pouca consideração ou é levada a sério e evitada. Eu prefiro a segunda modalidade. Com as mulheres, há que fazer-lhes frente com delicadeza, para causar boa disposição.
Edgar (levanta-se, despede-se e sai).
Artur (dirigindo-se à rosa que a criada de mesa pôs numa jarra): Ele foi o nobre ofertante e eu sou o grosseiro egoísta. A franqueza é simpática, não é? (aspira o perfume da rosa) Como é doce o teu perfume!
A criada de mesa (sorrindo divertida): Não são os atenciosos que impressionam as mulheres. Nós, as mulheres, tratamos com todo o respeito aqueles que não nos ligam nenhuma. São os muito ocupados, os comprometidos que nos atraem. (Para Artur:) Tu vieste cá só para matar a fome. O que haverá por detrás desta testa? (Afaga-o.)
Artur: Tu não me tens por desprovido de sentimentos.
A criada de mesa: Não! Os teus olhos atraiçoam-te com demasiada clareza. Esse teu ar de superficialidade é apenas um disfarce. És alguém que sabe o que é sofrer, e é por isso que eu te quero bem, um pouco.
Artur: Doravante, passarei a cumprimentar-te com as mais profundas vénias. É bonita a rosa que aquele homem te ofereceu.
A criada de mesa: Infelizmente, não foste tu quem ma ofereceu.
Artur: A minha, já eu a ofereci e estou preso a isso. A fidelidade impõe-nos obrigações, mas faz-nos felizes.»

Robert Walser, "A Rosa", Relógio D'Água, 2004

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