quarta-feira, 21 de outubro de 2009

o homem da quarta-feira #10



«Porque será tão atraente - pensava o Macaco noutra ocasião, quando lhe deu para a literatura - e ao mesmo tempo tão desinteressante esse tema do escritor que não escreve, ou o do que passa a vida a preparar-se para criar uma obra-prima e que pouco a pouco se vai transformando num mero leitor mecânico de livros cada vez mais importantes, mas que na realidade não lhe interessam, ou o já conhecido (o mais universal) do escritor que quando aperfeiçoa um estilo descobre que não tem nada a dizer, ou o daqueIe que quanto mais inteligente é, menos escreve, enquanto à sua volta outros talvez não tão inteligentes quanto ele e os quais ele conhece e de alguma forma despreza publicam obras que toda a gente comenta e que de facto às vezes até são boas, ou o do que de alguma forma conseguiu fama de inteligente e se tortura a pensar que os seus amigos esperam dele que escreva alguma coisa, e fá-Io, tendo como único resultado os seus amigos começarem a suspeitar da sua inteligência, o que o leva ao suicídio de vez em quando, ou o do parvo que se crê inteligente e escreve coisas tão inteligentes que os inteligentes ficam admirados, ou o do que nem é inteligente nem parvo nem escreve nem ninguém o conhece nem existe nem nada?»

Augusto Monterroso, "A Ovelha Negra e outras fábulas", Angelus Novus, 2008

3 comentários:

Lisboadf disse...

Grande livro (e a edição da Angelus Novus é muito bonita), grande escritor, do melhor que aquele continente já produziu... Comprei há alguns anos num alfarrabista da Cidade do México (na Calle Donceles há dezenas) uma edição... em latim. Exemplar sujo, capa rasgada e um texto que nunca lerei. O amor aos livros é um dos grandes mistérios dos tempos do Kindle...

Um abraço à equipa,

m

fallorca disse...

Marcelo, em latim??? E não tinha «moscas»? Viva Ibargüengoitia!!!

Lisboadf disse...

Caro Fallorca,

Moscas não me parece. Mas sempre te digo, companheiro entendido em fábulas: o "Ovis Nigra atque caeterae fabulae" tinha uma quantidade tal de animais que dava para montar, mais um zoológico, um país.
Quanto ao teu homónimo Ibarguengoitia, já sabes que só quero o teu bem.

Abraço,

m