sábado, 28 de junho de 2014

o poeta sabe menos que o poema #19



«Deixa
lentamente
que a tarde finde
verás depois ou entretanto
depende
que o que deixas acabar
não é mais do que a parte que a ti
te pertence.

Ali,
onde tu vês o que não existe
saberás, se te perderes um pouco,
que esse céu que o teu olhar
tantas vezes fingiu
fingiu uma vida inteira.

Depois, quando regressares,
e não souberes quem és,
isto é, quando te perderes de vez,
e tiveres aprendido por duas vezes
tudo o que há para aprender nesta vida
é possível que eu queira, se é que isto existe,
morrer contigo, morrer melhor.

Mas como te percebo,
eu próprio nunca abri os olhos
nunca me perdi antes
nunca me achei em nenhum céu.
Nunca, sequer, me levei de uma cor à outra.
A noite escura nunca me levou ao lugar que eu queria.

Morri apenas.
Demorei uma vida a morrer.
Como desejei.
Aos poucos,
ou de uma vez só,
como a tristeza quis.» 

António Quadros Ferro "Um Pouco de Morte", Edição do autor, 2009

Sem comentários: