domingo, 26 de janeiro de 2014

A revolução ficou atrás de nós #3




«A malta das praxes tem as suas hierarquias, veste-se a rigor, promove sociedades secretas com rituais mais ou menos obscuros, venera fardas e hinos, sob o olhar cúmplice e apaixonado de pais e professores orgulhosos. Têm as suas bandeiras, os seus símbolos. A academia aceita, desmistifica, moraliza eventuais atentados à dignidade humana, desinflaciona a dimensão grotesca e bruta da humilhação iniciática. Afinal, só é praxado quem quer e quem quer gosta, voluntaria-se se for preciso, está disposto a tudo para poder sentir-se parte integrante do grupo que há-de promovê-lo à condição de senhor perante futuros escravos. Assim se cresce e se faz homem e mulher quem nasça no mundo civilizado. É a tradição, palavra há muito utilizada para desculpabilizar e absolver todo o tido de atrocidades. O curioso disto está em constatar certo etnocentrismo encapuçado. As mesmas pessoas que vemos falar das praxes com orgulho ou simples desdramatização são capazes de apontar com a mais estúpida insensatez o fanatismo religioso islâmico, os rituais incivilizados da raça cigana, a violência genética dos pretos, numa prática do preconceito e do estereótipo cultural há muito enraizada na assoberbada nossa cultura.»

Henrique Fialho, "antologia do esquecimento",  já não há pachorra para gelatina de morango.

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