quinta-feira, 25 de abril de 2013

diário dos mesmos pesares #26


 «Nos regimes fascistas da primeira metade do século XX, estabilizou-se absurdamente a forma obsoleta da economia, e multiplicou-se o terror de que ela necessita para se manter em pé, e agora o seu absurdo vem totalmente à luz do dia. Mas também por ele está caracterizada a vida privada. Com o poder de disposição implantou-se, uma vez mais e simultaneamente, a asfixiante ordem do privado, o particularismo dos interesses, a já há muito ultrapassada forma da família, o direito de propriedade e o seu reflexo no carácter. Mas com má consciência, com a dificilmente dissimulada consciência da inverdade. O que na burguesia sempre se considerou bom e decoroso, a independência, a persistência, a previsão e a prudência, está corrupto até ao cerne. Pois enquanto as formas burguesas da existência se conservam com obstinação, o seu pressuposto económico foi derrubado. O privado transferiu-se inteiramente para o privativo que, no fundo, desde sempre foi, e com o pertinaz apego ao interesse próprio misturou-se tal obcecação que de nenhum modo já consegue perceber que é possível ser diferente e melhor. Os burgueses perderam a sua ingenuidade; tornaram-se a tal respeito de todo insensíveis e mal intencionados. A mão protectora que ainda cuida e cultiva o seu pequeno jardim, como se este, desde há muito, não se tivesse convertido em «lote», mas que, timorata, mantém à distância o intruso desconhecido, é a que já recusa o asilo ao refugiado político. Como se tivessem objectivamente ameaçados, os detentores do poder e o seu séquito tornam-se subjectivamente de todo inumanos. A classe dobra-se assim sobre si mesma e apropria-se da vontade destruidora do curso do mundo. Os burgueses sobrevivem como fantasmas que anunciam o desastre.» 

Theodor W. Adorno, "Minima Moralia", Edições 70, 2001

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