Paris, 30 de Novembro de 1994
terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
domingo, 28 de abril de 2013
o Mal-estar da Civilização #37
«Dizem que uma injustiça é, por natureza um bem, e sofrê-Ia, um mal, mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-Ia. De maneira que, quando as pessoas praticam ou sofrem injustiças umas das outras, e provam de ambas, lhes parece vantajoso, quando não podem evitar uma coisa ou alcançar a outra, chegar a um acordo mútuo, para não cometerem injustiças nem serem vítimas delas. Daí se originou o estabelecimento de leis e convenções entre elas e a designação de legal e justo para as prescrições da lei. Tal seria a génese e essência da justiça, que se situa a meio caminho entre o maior bem — não pagar a pena das injustiças — e o maior mal — ser incapaz de se vingar de uma injustiça. Estando a justiça colocada entre estes dois extremos, deve, não preitear-se como um bem, mas honrar-se devido à impossibilidade de praticar a injustiça. Uma vez que o que pudesse cometê-ia e fosse verdadeiramente um homem nunca aceitaria a convenção de não praticar nem sofrer injustiças, pois seria loucura.»
«Efectivamente, todos os homens acreditam que lhes é muito mais vantajosa, individualmente, a injustiça do que a justiça. E pensam a verdade, como dirá o defensor desta argumentação. Uma vez que, se alguém que se assenhoreasse de tal poder não quisesse jamais cometer injustiças, nem apropriar-se dos bens alheios, pareceria aos que disso soubessem muito desgraçado e insensato. Contudo, haviam de elogiá-lo em presença uns dos outros, enganando-se reciprocamente, com receio de serem vítimas de alguma injustiça.»
Platão, "A República [Livro II]", Fundação Calouste Gulbenkian, 2001
sábado, 27 de abril de 2013
sexta-feira, 26 de abril de 2013
quero outra noite no fim do dia #14
«Ao anoitecer, pouco antes das seis horas, enquanto ele faz as contas dos seus deveres na mesa da cozinha, a mãe chega a casa. Afasta o livro de aritmética, agarra em Åke pela mão e puxa-o para fora do sofá.
"Ouve, vai à procura do teu pai", diz ela, arrastando-o para a entrada, ficando atrás dele para lhe cortar qualquer possível fuga, "vai à procura do teu pai e vais dizer-lhe da minha parte que te dê dinheiro."
Os dias são piores do que as noites. Os jogos da noite são melhores do que os do dia. À noite, ele pode tornar-se invisível e chegar com maior velocidade, passando por cima dos telhados, aos sítios onde a sua presença é necessária. De dia, não se é invisível. De dia, tudo decorre mais devagar. De dia, os jogos não têm os mesmos atractivos. Åke sai de casa e é tudo o que há de menos invisível, o filho da porteira, segura-o pela manga. Mas Åke sabe que a mãe, postada à janela, ficará a observá-lo até que ele tenha desaparecido na esquina da rua e por isso solta-se sem dizer palavra e depois foge como se houvesse alguém a correr atrás dele. Mas assim que dobra a esquina, muda de andamento e caminha tão devagar quanto pode, contando as pedras do passeio e os escarros que vê no chão. O filho da porteira apanha-o, mas Åke não lhe responde: não lhe contará que está à procura do pai que não levou o salário para casa.»
Stig Dagerman, "Jogos da Noite", Antígona, 1992
quinta-feira, 25 de abril de 2013
diário dos mesmos pesares #26
Theodor W. Adorno, "Minima Moralia", Edições 70, 2001
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Toda a humilhação leva à morte #21
«O desnudar erótico é igual à condenação à morte, na medida em que ela inaugura um estado de comunicação, de perda de identidade e de fusão.»
Jean Baudrillard
terça-feira, 23 de abril de 2013
segunda-feira, 22 de abril de 2013
interpretose now #5
«Os amantes têm mãos a menos.
No amor exibe-se o que FALTA ao CORPO.
No CORPO deve exibir-se o que FALTA (mesma ASSIM) ao AMOR.»
Gonçalo M. Tavares, "Livro da Dança", Assírio & Alvim, 2001
domingo, 21 de abril de 2013
sábado, 20 de abril de 2013
sexta-feira, 19 de abril de 2013
espécie de oração particular #27
Não quero morrer neste mundo belo,
Mas viver no coração dos homens,
E encontrar sepultura no bosque florido,
Salpicado de sol.
O jogo dos fracassos da vida como ondas
Com as suas lágrimas e sorrisos,
Unindo-se e separando-se!
Encandeando
Alegrias e tristezas do homem,
Quero construir sobre esta terra
A minha casa eterna.
Farei florescer novas flores e canções
Para que as reúnas, amanhecer e escuridão.
Colhe-as a sorrir...
E quando murcharem
Espalha-as.
Rabindranath Tagore, "Poesia", Assírio & Alvim, 2004
quinta-feira, 18 de abril de 2013
quarta-feira, 17 de abril de 2013
terça-feira, 16 de abril de 2013
Teoria da Conspiração #44 (ou a Exigência dos Enredos Contemporâneos)
«O contacto íntimo com a palavra tornara-o exigente. O lugar-comum, esse oceano navegável dos outros, era interdito. Já que não podia ser original, porque o início é ainda um mito, seria lúcido. E esta palavra que o Poder continuamente repetia no seu íntimo - o Poder tomava para Milos a face das contestação metafísica - era um mata-borrão onde sentimentos, gestos, tudo era absorvido.»
Rui Nunes, "Os Deuses da Antevéspera", Parceria A. M. Pereira LDA., 1977
segunda-feira, 15 de abril de 2013
domingo, 14 de abril de 2013
a temperatura do corpo #25
«Por vezes o Sr. Cogito recorda, não sem comoção, a sua marcha adolescente rumo à perfeição, esse juvenil per aspera ad astram. Ora sucedeu-lhe um dia, ao correr para as aulas, uma pedrinha entrar-lhe para o sapato. Meteu-se maliciosamente entre a pele e a peúga. O bom-senso ordenava-lhe que se livrasse do intruso, mas o princípio de amor fati – pelo contrário – a suportá-lo. Optou pela segunda, resolução heróica. A princípio não parecia grave, apenas um incómodo e nada mais, no entanto, depois de algum tempo, no campo de consciência apareceu o calcanhar, e isto no momento em que o jovem Cogito tentava laboriosamente alcançar o pensamento do professor que desenvolvia o tema da ideia em Platão. O calcanhar crescia, inchava, pulsava, de rosa pálido tornava-se púrpura como o sol poente e afastava da sua mente não só a ideia de Platão mas qualquer outra ideia. À noite, antes de se entregar ao sono, sacudiu da peúga o corpo estranho. Era um pequeno grão de areia, frio e amarelo. O calcanhar, por sua vez, estava inchado, quente e negro de dor.»
Zbigniew Herbert, "ÍTACA, Cadernos de ideias textos & imagens", Coisas de Ler, nº3 de 2011
sábado, 13 de abril de 2013
Inaugurar sentimentos, o amor por vir #11
«Apaixonado pela sua beleza, transformou-se num touro de resplandecente brancura e cornos semelhantes a duas luas na fase de quarto crescente. Aproximou-se assim da jovem, indo deitar-se a seus pés. Primeiro, Europa assustou-se, mas, pouco depois, tomando coragem, acariciou o animal, sentando-se no seu dorso. Logo o touro se levanta, correndo em direcção ao mar.»
Pierre Grimal, "Dicionário da Mitologia Grega e Romana", Difel, 2009
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sexta-feira, 12 de abril de 2013
quinta-feira, 11 de abril de 2013
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Até hoje foi sempre futuro #6
«O tempo está fora dos eixos: ó sorte malvada, ter nascido para o endireitar.»
William Shakespeare, "Hamlet", Editorial Presença, 2001
terça-feira, 9 de abril de 2013
Momento Pergaminho #14
«"Colhe um fruto da figueira!" - "Aqui, venerável!" - "Divide-o" - "Dividi-o, venerável." - "O que vês nele?" - "Estes grãos diminutos, venerável!" - "Divide um deles, meu amigo!" - "Dividi-o, venerável." - "O que vês nele?" - "Nada, venerável!" ... "Acredita em mim, meu amigo: o que essa coisa diminuta é, é o próprio eu deste universo. Isto é a verdade. Isso é o próprio eu (individual). Isso és tu, Shetaketu."»
Chandogya-Upanishad, 6. 12. 1-3 a
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Perguntas Abandonadas #28
«Então, dizem eles, o destino é eficaz até ao baptismo; depois já não dizem os astrólogos a verdade. Não só o banho nos liberta, mas também a gnose: Quem éramos? Em que é que nos convertemos? Para onde fomos atirados? Para onde nos apressamos? Do que é que estamos libertados? O que é o nascimento? O que é o renascimento?»
Tito Flávio Clemente (150-215)
domingo, 7 de abril de 2013
o poeta sabe menos que o poema #2
Há muitos metros entre um animal que voa
E a escada que desço para me sentar no chão
Mas basta-me um quadrado de sossego
Para a distância absoluta
Está para além do que se vê a janela onde me debruço definitivo
Não é uma aparição
Nem se pode alcançar sem se ir em frente caindo
Só no fim da paisagem estou de pé como um para-quedista que desce
Suspenso como os santos num arroubo místico
Erguido como um anjo em suas asas
E sinto-me ser alto como um astro. Nuvem
Como se fosse um homem
Que levita
Daniel Faria, "Poesia", Quasi Edições, 2003
sábado, 6 de abril de 2013
sexta-feira, 5 de abril de 2013
quinta-feira, 4 de abril de 2013
Chefe, precisamos de mentiras novas #16
«Ao todo, foram cinco anos, cinco anos de extrema exigência tanto pessoal
como política em que tive o privilégio de ser chamado a lutar na
primeira linha. Cinco anos em que dei pelo meu país tudo aquilo que as
minhas capacidades permitiam. Cinco anos que foram, ao mesmo tempo, uma
longa aprendizagem e uma dura lição de vida.»
Miguel Relvas, "Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares", XIX Governo Constitucional de Portugal, 2013
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quarta-feira, 3 de abril de 2013
espécie de oração particular #26
«Bem-aventurado o que pressentiu
quando a manhã começou;
não vai ser diferente da noite.
Prolongados permanecerão o corpo sem pouso,
o pensamento dividido entre deitar-se primeiro
à esquerda ou à direita,
e mesmo assim anunciou paciente ao meio-dia;
algumas horas e já anoitece, o mormaço abranda,
um vento bom entra nessa janela.»
Adélia Prado, "Bagagem", Livros Cotovia, 2002
terça-feira, 2 de abril de 2013
A vida não é um sonho #29
«Porque é que procuras bons dias aqui, na terra, onde não os podes encontrar? O que queres? Talvez que passem anos e anos, e que não chegue ao fim desses anos? A tua aspiração é um contra-senso: queres caminhar, mas não queres chegar ao fim da caminhada!»
Santo Agostinho, "Sermão 108: 3, 3"
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Imediatamente embora pouco a pouco #30
«Há mil maneiras de matar o tempo e todas são diferentes, mas todas se equivalem, mil maneiras de não esperar nada, mil jogos que podes inventar e abandonar imediatamente.
Tens tudo a aprender, tudo o que não se aprende: a solidão, a indiferença, a paciência, o silêncio. Tens de te desabituar a tudo: de ir ao encontro daqueles com quem durante tanto tempo te cruzaste, de tomar as tuas refeições, os teus cafés no lugar que todos os dias outros reservaram para ti, que por vezes defenderam para ti, de andar por aí na cumplicidade insípida das amizades que vão sobrevivendo, no rancor oportunista e cobarde das ligações que se vão desfazendo.»
Georges Perec, "Um Homem que dorme", Editorial Presença, 1991
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