para saber se é essa a sua vocação,
basta olhá-lo nos olhos:
um cozinheiro apurando um molho,
um cirurgião abrindo a pele,
um escriturário preenchendo uma relação
de embarque, têm a mesma expressão
distraída, embevecidos na sua tarefa.
Que bela é essa devoção
do olho pelo objecto.
Ignorar a deusa sedutora,
abandonar os sacrários magníficos
de Rea, Afrodite, Demeter, Diana,
preferir rezar a S. Focas,
Santa Bárbara, S. Saturnino,
ou outro padroeiro qualquer,
de cujo mistério se seja merecedor,
que passo gigantesco foi dado.
Deveria haver monumentos e odes
aos heróis desconhecidos que começaram,
a quem arrancou as primeiras faíscas
da pederneira e esqueceu o jantar,
ao primeiro coleccionador de conchas
que ficou celibatário.
Se não fossem eles, ode estaríamos?
Ainda ferozes, sem hábitos caseiros,
errando através das florestas,
com nomes sem consoantes,
escravos da Dama gentil, sem
noções da civilidade
e hoje à tarde, para esta morte,
não haveria agentes funerários.»
W.H. Auden, "O Massacre dos Inocentes", Assírio & Alvim, 1994
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