terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Imediatamente embora pouco a pouco #9



«No espanto desenhado da palavras azuis, há ocasiões em que paro, a meio de escrever, e me apavoro. Eu: que escrevi, porque escrevi.
Quem sou eu para me revirar e jogar isso num papel a caminho de outra gente? Quem sou eu (repito) para ensopar na tinta que sou as coisas que me furam?
Olho, penso, não acho resposta. "Nem que sim nem que não", diz assobiadamente o silêncio de tudo e todos a este respeito.
Encolho-me. Ninguém dá por mim (a própria cigarra que grita terá do que se está a passar uma suspeita leve e breve).
Quite em tudo que não seja o braço, mexidamente direito, e o sangue e o respirar, volto ao papel. O Tempo: é como chuva. E em qualquer sítio uma qualquer porta atrás de que pode estar alguém.»

Nuno Bragança, "A Noite e o Riso", Obra Completa, Dom Quixote, 2009

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