domingo, 23 de janeiro de 2011

espécie de oração particular #7



«Enterrei hoje minha mulher - porque lhe chamo minha mulher? Enterrei-a eu próprio no fundo do quintal, debaixo da velha figueira. Levá-la para o cemitério, e como? Fica longe. Ela pedira-mo uma vez, inesperadamente, acordando-me a meio da noite. Queria que a enterrasse junto ao muro que dá para o caminho, porque se vê daí a casa dela. Habituara-se a olhar para aquele sítio depois que ficou só. E pensava: "Verei dali a janela do meu quarto." Mas teria de transportá-la para lá. Não tenho forças e cai neve. A quantos estamos? É Inverno, Dezembro, talvez, ou Janeiro. Tiro a neve com uma pá, traço o rectângulo e cavo.»

Vergílio Ferreira, "Alegria Breve", Bertrand, 2004

2 comentários:

Luís França disse...

Digam-me por favor que a mulher é a Maria Cavaca, e que a judiciária prendeu esta noite o marido... Por favor, digam-me!

Luís França disse...

Isso seria uma nada breve alegria!