Homem e mulher passeiam pelo pavilhão das cancerosas
O homem:
Esta fila aqui são ventres putrefactos
e esta outra são seios putrefactos.
Cama a cama um cheiro nauseabundo. As enfermeiras mudam de hora a hora.
Anda, ergue sem medo esta coberta.
Olha, este montão de gordura e de pús
significou já algo de sublime para um homem,
já foi embriaguês, terra natal.
Vem cá, olha esta cicatriz no peito.
Não sentes o rosário de contas moles?
Apalpa sem receio. A carne é mole e já não dói.
Esta aqui sangra por trinta corpos.
Ninguém pode ter tanto sangue.
A esta aqui conseguiram ainda
extrair-lhe um filho do ventre canceroso.
Deixam-nas dormir. Dia e noite. Às novas
dizem-lhes: aqui o sono é cura. Só aos domingos,
quando há visitas, as deixam mais despertas.
Come-se pouco já. As costas
estão em ferida. Vês bem as moscas. Por vezes
a enfermeira lava-as. Como quem lava bancos.
Aqui, a terra incha já em redor de cada leito.
A carne mirra e torna-se planície. O ardor vital vai-se desvanecendo.
A linfa resigna-se a escorrer. A terra chama.
Gottfried Benn in "A Alma e o Caos - 100 poemas expressionistas", selecção e tradução de João Barrento, Relógio D' Água, 2001