quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

sábado, 26 de dezembro de 2009

é meia-noite no fim do céu #2


«Enquanto a sombra repetir no chão o teu corpo inteiro eis que te encontras vivo e completo.»

Gonçalo M. Tavares, "A máquina de Joseph Walser", Editorial Caminho, 2004

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Corpus Christi Carol #1



«O perfume como que fornece o móbil que depois a própria trama se encarregará de intrincar: a qualidade do acolhimento a Jesus.»

José Tolentino de Mendonça, "A Construção de Jesus", Assírio & Alvim, 2004

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

o Mal-estar da Civilização #11


«Não tão viciante como a heroína, menos prejudicial do que o álcool, mas, ainda assim, problemático do ponto de vista ambiental, é o outro grande tranquilizante moderno: ir às compras. Muitas pessoas admitem prontamente que as compras não são tanto um meio de obterem os bens de que precisam, mas a sua principal actividade recreativa. Uma grande dose de compras parece ajudar a ultrapassar a depressão. Ir às compras é o substituto moderno das actividades mais tradicionais da caça e da recolecção. O centro comercial substituiu os antigos territórios de caça. Tal como recolher raízes, sementes e bagas num ambiente árido, as compras podem ocupar uma grande parte do dia. Permitem o desenvolvimento de formas especializadas de conhecimentos e competências. (Como se seleccionam os items certos a recolher? Onde e quando se encontram pechinchas genuínas?) Ir às compras pode até passar por uma actividade útil: o seu componente de lazer pode ser disfarçado ou negado de uma forma que não seria possível se se passasse o dia a jogar golfe.»

Peter Singer, "Como havemos de viver? – a ética numa época de individualismo", Dinalivro, 2005

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Idiota (uma história no plural) #1



« - Deus gosta de gente como o senhor - fez-lhe eco o funcionário.» (página 19)

Fiódor Dostoiévski, "O Idiota", Editorial Presença, 2007

domingo, 20 de dezembro de 2009

Imediatamente embora pouco a pouco #3



«Os homens e as mulheres depressa esquecem as alegrias genitais para reproduzirem os medos que rodeavam a sua espera tão vaga durante o tempo ainda não semantizado da sua tão longa infância.
Velhos, repetem-na ao ponto de involuírem nela. Viram-na e reviram-na enquanto repetem as mesmas coisas. Amam-na ao ponto de morrer nela.»

Pascal Quignard, "As Sombras Errantes", Gótica, 2003

sábado, 19 de dezembro de 2009

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

a poesia não me interessa #12



«... Vou-te amar intensamente como nunca. Amei-te com avidez precipitação impreparação juvenil. Havia uma distância enorme de permeio e eu tinha de a preencher. Amei-te depois com luxúria como se diz no catecismo. E amei-te como cumprimento de um horário semanal. Com raiva humilhação quando andaste, eu nem sei se andaste lá com o teu colega do patarata. E porque é que não sei? Minha querida. Tinhas um grande orgulho ou vaidade no teu corpo, e desde a história do Bem sei lá o que tu querias. Seduzir, dares aos outros a possibilidade de partilharem do maravilhoso de ti e acirrares-me domesticares-me obrigares-me a ajoelhar. Silêncio - e já falei tanto. Vou pôr na rua da lembrança tudo o que não for da tua nudez, a amargura vexame sofrimento. Mesmo as alegrias que não são para aqui. Mesmo os filhos que também não - A vida inteira que passou. Preciso tanto de te amar - e como te vou amar? Não sei. Vou-te amar com o infinito da tua perfeição.»

Vergílio Ferreira, "Em Nome da Terra", Bertrand Editora, 1990

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

diário dos mesmos pesares #2



Quarta-feira à noite [17 de Dezembro de 1941]

«E assim é a vida: um caminhar de um momento de redenção para outro. E talvez eu tenha de procurar muitas vezes a minha redenção num pedaço de prosa, tal como por vezes um homem em grande necessidade procura aquilo a que se chama, de modo plástico, uma puta, porque às vezes uma pessoa brada pela redenção, sem que interesse a forma.»

Etty Hillesum, "Diário 1941-1943", Assírio & Alvim, 2008

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

o homem da quarta-feira #18



«Os objectos inanimados estão sempre em ordem e nós infelizmente não temos nada a censurar-lhes. Nunca vi uma poltrona trocar de pé ou uma cama erguer-se nas pernas traseiras. E as mesas, mesmo quando estão fatigadas, não se põem de joelhos. Suspeito que os objectos se comportam assim por razões pedagógicas: para nos censurarem constantemente pela nossa instabilidade.»

Zbigniew Herbert, "Escolhido Pelas Estrelas", Assírio & Alvim, 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Toda a humilhação leva à morte #6



«O escultor vê-se primeiramente defrontado com o bloco bruto, a matéria pura, que encerra em si todas as possibilidades. Esta responde ao escopro, o escopro pode destruir ou libertar dela água da vida, poder espiritual. Isso pertence ao indeterminado, mesmo para o mestre; não depende totalmente da sua vontade.
O indefinido, o indeterminado, mesmo na invenção, não é o inverídico.»

Ernst Junger, "Eumeswil", Editora Ulisseia, 2006

domingo, 13 de dezembro de 2009

electrocardioTrama #4 (ou a actividade anímica da palavra)



“Para que os pormenores se tornem concretos e ganhem sentido, a linguagem usada deve ser o mais exacta e rigorosa possível. As palavras podem, mesmo, ser tão precisas que pareçam insípidas; porém, se forem bem utilizadas, farão soar todas as notas, em todos os registos.”

sábado, 12 de dezembro de 2009

espécie de oração particular #2



«Talvez pudesse ouvir passos junto à porta do quarto, passos leves que estacariam enquanto a minha vida, toda a vida, ficaria suspensa. Eu existiria então vagamente, alimentado pela violência de uma esperança, preso à obscura respiração dessa pessoa parada. Os comboios passariam sempre. E eu estaria a pensar nas palavras do amor, naquilo que se pode dizer quando a extrema solidão nos dá um talento inconcebível. O meu talento seria o máximo talento de um homem e devia reter, apenas pela sua força silenciosa, essa pessoa defronte da porta, a poucos metros, à distância de um simples movimento caloroso. Mas nesse instante ser-me-ia revelada a essencial crueldade do espírito. Penso que desejaria somente a presença incógnita e solitária dessa pessoa atrás da porta. Ela não deveria bater, solicitar, inquirir»

Herberto Helder, "Os Passos em Volta", Assírio & Alvim, 2006

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

a poesia não me interessa #11




Retrato Proletário


Uma jovem alta sem chapéu
de avental

Parada na rua com o cabelo
puxado para trás

Um pé com a peúga tocando
a calçada

O sapato na mão. Examinando-o
atentamente

Retira a palmilha
à procura do prego

Que a magoava tanto


William Carlos Williams, "Antologia Breve", Assírio & Alvim, 1995

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

o homem da quarta-feira #17



«A música é, por sua vez, uma espécie de púlpito, com o seu espaço de ressonância próprio que, inabalavelmente, interfere no discurso. Pela altura em que escrevi os versos das canções de “Circa 1999” estava fortemente dominado pela leitura de “Igitur (A Loucura de Elbehnon)” de Mallarmé. Penso que isso se faz sentir. Foi uma leitura complexa para a qual tive de usar alguma dose de persistência, de forma a levar a bom termo a sua conclusão. O mesmo se tinha passado anteriormente com “O Idiota”, de Dostoievski, e mais tarde com “O Inominável”, de Beckett. No caso deste último, existe uma ausência de pistas sobre a identidade do narrador. É uma semifigura em constante metamorfose. E, por falar nisso, a primeira vez que contemplei um livro com um sentimento de terror foi aos 15 anos, quando li “A Metamorfose”, de Kafka.»

B Devlin, "A pop não-pop das margens", entrevista de Rui Eduardo Paes

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Teoria da Conspiração #8 (ou a vaidade do avesso)



«Narciso gostou muito de si próprio quando se viu reflectido na água, porque não sabia que a sua imagem estava invertida. Quando lhe explicaram, criou o complexo.»

Dimíter Ánguelov, "Código Evidente", & etc., 1989

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Perguntas Abandonadas #3


«És um homem justo? Sensato?
É nisso que assenta a tua confiança?
És amado por todos?
Achas que os teus sofrimentos serão menores porque aprecias a bondade? A verdade?»

Terrence Malick (1943-)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

Momento Pergaminho #2


Humor de Duende

Quando à noite, já deitada
Vês que não fizeste nada
Daquilo que querias ser
Fecha os olhos a sorrir
Há sempre um duende a rir
Atrás de ti a dizer:

- "Hé... Hé... Hé!...
Só se ganha em se perder
Amanhã vai melhorar
Sei o que estou a dizer!

Eu sou um duende à espreita
Na tua esquina mais estreita
Por isso sou teu amigo
E quem sabe rir comigo
Sabe-se a si transformar!

Não te rales se és assim
Esses males têm fim
Faz a fila atrás de mim
Vem mas é para a floresta
Pois lá estamos sempre em festa
Se caíres esfolas a testa
Mas não vais disso morrer!

Põe-te na fila a dançar
Sai do jogo quem quiser
E também sai quem olhar
P'ro seu umbigo a chorar
Ou quem dançar a gemer!

Vá lá, avança,
Vê se mexes essa pança
Dá saltos e faz caretas
Faz como eu piruetas
Sacode-te dessas tretas
Não fiques sisudo aí!
Não tenhas pena de ti!

Quem já souber rir de si
Sabe o mundo transformar
E o dia será bom!
Estará sempre a melhorar!!

Luísa Barreto, "Pelo Caminho da Fadas", Centro Lusitano de Unificação Cultural, 2001

sábado, 5 de dezembro de 2009

Imediatamente embora pouco a pouco #2



«Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.»

Séneca, "Cartas a Lucílio", Fundação Calouste Gulbenkian, 2004


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Retrato de Família #8

«Não me cansava de ver essa aparição que tu eras. Suave, esfregada pela luz; a tua boca macia, húmida, irisada de estrelas; o teu corpo cada vez mais transparente na água da noite. Susana. Susana San Juan.»

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

orquestrar a sanidade



©Cassavetes,John;1974

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

o homem da quarta-feira #16



«Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me. Tão pouco me legaram o disfarçado furor do céptico, a astúcia do racionalista ou a ardente candura do ateu. Não ouso por isso acusar os que só acreditam naquilo que duvido, nem os que fazem o culto da própria dúvida, como se não estivesse, também esta, rodeada de trevas. Seria eu, também, o acusado, pois de uma coisa estou certo: o ser humano tem uma necessidade de consolo impossível de satisfazer. Como posso, assim, viver a felicidade?»

Stig Dagerman, "A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer", Fenda, 1995

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Orelhas de Elefante #10

os Magos

The Beatles, "Stereo Box Set [BOX SET] [ORIGINAL RECORDING REMASTERED]", EMI, 2009



os Duendes

Pixies, "Minotaur (Limited Signed Edition) [BOX SET]", Artist In Residence, 2009


Porque há musicas de outras dimensões.


segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Não respire... (ou leituras em apneia) #1



«Tu lutas contra esta figura que dentro de ti te impele; tu queres fugir de ti próprio, queres separar-te de ti mesmo, e não podes. Só consegues, à custa de esforços desesperados, manteres-te dentro da fórmula ou da máscara que escolheste, e arredar o crime e a loucura, e fingir e sorrir.»

Raul Brandão, "Húmus", Campo das Letras, 2000

Pode respirar.

domingo, 29 de novembro de 2009

a poesia não me interessa #10



Cânticos*

I

Não queiras ter pátria.
Não dividas a Terra.
Não dividas o Céu.
Não arranques pedaços ao mar.
Não queiras ter.
Nasce bem alto,
Que as coisas todas serão tuas.
Que alcançarás todos os horizontes.
Que o teu olhar, estando em toda parte
Estarás em tudo,
Como Deus.

II

Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens ...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade ...
É a eternidade.
És tu.

III

Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu.
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde é Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa, completamente silencioso.
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.

* (3 de 26)

Cecília Meireles, "Antologia Poética", Editora Record, 1963

sábado, 28 de novembro de 2009

dedicatória #4*



* dedicada a quem, desde 2007, tem conduzido o esférico para a frente.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Toda a humilhação leva à morte #5



«Exprimir sob a forma de arte, com finalidade de catarse, uma tragédia interior, apenas o pode fazer o artista que, no momento em que vivia a tragédia, ia já tecendo os fios construtivos, ia já realizando a incubação criadora. Não existe a tempestade sofrida loucamente e, depois, a libertação através da obra, arriscando até o suicídio. É tão verdade que os artistas que realmente se mataram por causa dos seus casos trágicos são habitualmente cantores ligeiros, diletantes de sensações, que nunca nas suas obras deixaram transparecer nada do profundo cancro que os roía. Donde se conclui que o único modo de fugir ao abismo é encará-lo, medi-lo, sondá-lo e mergulhar nele.»

Cesare Pavese, "O Ofício de Viver", Relógio D'Água, 2004

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

diário dos mesmos pesares #1



26 de Novembro

Às vezes digo para comigo: o teu destino não tem nenhum com que se compare: podes considerar todos os outros homens felizes... nunca mortal algum sofreu como tu.
Depois leio qualquer poeta de outros tempos e parece-me que estou lendo no meu próprio coração. Tenho tanto a suportar! Já haveria antes de mim homens tão infelizes como eu sou?

Goethe, "Werther", Guimarães Editores, 1998

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

o homem da quarta-feira #15



«É um facto, Nietzsche enlouqueceu, Hölderlin endoideceu, Rilke não conseguiu entrar com o seu corpo no poema, Virginia Woolf suicidou-se, Spinoza acabou silenciando-se, Kafka foi apanhado a tempo por uma tuberculose galopante, Pessoa foi-se degradando no alcoolismo, Kierkgaard acabou triste e só. Nestas coisas, não há hereditariedade, mas há continuidade de problemática e, o que é bem mais importante, permanência do vórtice vibratório.»

Maria Gabriela Llansol, "Na Casa de Julho e Agosto", Relógio D`Água, 2003

terça-feira, 24 de novembro de 2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Teoria da Conspiração #7 (ou a liberdade é escravidão)



«Enquanto não tomarem consciência não se revoltarão e enquanto não se revoltarem não poderão tomar consciência».

George Orwell, "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro", Antígona, 1991

domingo, 22 de novembro de 2009

Imediatamente embora pouco a pouco #1



«Viver a abolição do tempo, viver esse momento, rápido como o "relâmpago", pelo qual dois instantes, infinitamente separados, vêm "pouco a pouco embora imediatamente" ao encontro um do outro, unindo-se como duas presenças que, pela metamorfose do desejo, se identificassem, é percorrer toda a realidade do tempo, e ao percorrê-la experimentar o tempo como espaço e lugar vazio, quer dizer, livre de acontecimentos que habitualmente o preenchem . Tempo puro, sem acontecimentos, vacância movente, distância agitada, espaço interior em devir onde os êxtases do tempo se dispõem numa simultaneidade fascinante, o que significa tudo isso?»

Maurice Blanchot, "O Livro por Vir", Relógio D` Água, 1984

sábado, 21 de novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

o fundo do copo

.
©Haneke, Michael;2005

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Orelhas de Elefante #9


o Anjo

Lisa Gerrard, "The Black Opal", Gerrard Records, 2009



o Fantasma

Tom Waits, "Glitter and Doom Live", Anti, 2009


Porque há musicas de outras dimensões.


«Canto porque... sou um cantor. Mas uso-vos para isso, porque... preciso de ouvidos».

Max Stirner, "O Único e a sua Propriedade", Editora Antígona, 2004

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

o homem da quarta-feira #14



«Olha, há um tesouro na casa ao lado.
— Mas não há casa alguma aqui ao lado.
— Então construiremos uma!»

Louis Pauwels e Jacques Bergier, "O Despertar Dos Mágicos", Livraria Bertrand, 1973 (relato de um diálogo dos Irmãos Marx)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

a poesia não me interessa #9



Ela penteia o seu cabelo como se penteia o dos mortos:
traz os cacos azuis debaixo da camisa.

Traz os cacos do mundo num cordão.
Ela sabe as palavras mas limita-se a sorrir.

Mistura o seu sorriso no cálice de vinho:
tens de o beber, para estar no mundo.

Tu és a imagem que os cacos lhe mostram
quando ela, pensativa, se inclina sobre a vida.


Paul Celan, "Sete Rosas Mais Tarde", Livros Cotovia, 1993


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

electrocardioTrama #3 (ou a actividade cardíaca da máscara)



«Sonoko estava agora nos meus braços. Respirando com força, ficou afogueada e fechou os olhos. Os seus lábios eram de uma beleza infantil. Mas não despertava em mim qualquer desejo. Apesar disso, eu não desistia de esperar que alguma coisa acontecesse repentinamente dentro de mim - certamente, no momento em que a beijasse, descobriria enfim a minha "normalidade", o meu verdadeiro amor.
A máquina pusera-se em movimento. Nada a podia deter.
Pousei os meus lábios sobre os dela. Passou um segundo. Nem a mínima sensação de prazer. Dois segundos. Exactamente a mesma coisa. Três segundos... Compreendi tudo.»

domingo, 15 de novembro de 2009

espécie de oração particular #1



«Agradeço esta injustiça, esta afronta que me acordou, e cuja sensação viva me atirou para longe da sua causa ridícula, mas concedeu força e gosto pelo meu próprio pensamento, ao ponto de os trabalhos que executo terem beneficiado, enfim, da minha cólera; a investigação das minhas leis aproveitou com este incidente»

Paul Valéry, "O Senhor Teste", Relógio D'Água, 1985

sábado, 14 de novembro de 2009

Retrato de Família #7

.

Boris V. Karamazov (1920-1959)

«Nem militares nem padres porque o meu sonho foi sempre morrer sem intermediários»

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

o Mal-estar da Civilização #10



«Os especialistas da fome no mundo (há muitos e trabalham em conjunto com outros especialistas empenhados em fazer-nos acreditar que vivemos num reino de abundantes delícias, embora nenhuma “grande farra” se vislumbre...) vêm comunicar-nos os seus cálculos: o planeta será capaz de produzir a quantidade suficiente de cereais para que ninguém passe fome, mas o que é perturbante nessa visão idílica é o facto dos “países ricos” consumirem abusivamente metade dos cereais, só para alimentação do seu gado. Mas quando se conhece o gosto desastroso da carne que nos chega dos matadouros, proveniente de engorda acelerada à base de cereais, poderá falar-se de “países ricos”? Certamente que não. Não é para nos fazer viver no sibaritismo que uma parte do planeta tem de morrer à fome: é para nos fazer viver na lama. O eleitor, contudo, adora ser lisonjeado quando lhe lembram que o seu coração pode estar a ficar um pouco insensível - ele a viver tão bem enquanto outros países contribuem, à custa dos cadáveres dos filhos, stricto sensu, para que vá engordando. O que agrada ao eleitor, neste discurso, é ouvir dizer que vive como um rico. Sente-se bem a acreditar nisso.»


atribuído a Guy Debord, "Enganar a Fome", frenesi, 2000


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Toda a humilhação leva à morte #4



«Há um caminho coberto de neve que leva para dentro do êxtase. Esse caminho é a morte.»

Walter Benjamin (1892-1940)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

em sentido



©Shyamalan,M. Night;1999

terça-feira, 10 de novembro de 2009

o homem da quarta-feira #13



«Há uma velha história acerca de um trabalhador suspeito de roubar no trabalho: todas as tardes, quando sai da fábrica, os vigilantes inspeccionam cuidadosamente o carro de mão que ele empurra, mas nunca encontraram seja o que for. Até que um dia se descobre a trama: o que o trabalhador rouba são carros de mão!»

Slavoj Žižek, "Violência", Relógio D’Água, 2009