domingo, 8 de julho de 2012

a poesia não me interessa #34


Apeteceu-lhe a felicidade,
apeteceu-lhe a verdade,
apeteceu-lhe a eternidade,
vejam só!


Mal discerniu o sonho da realidade,
mal se apercebeu que ele é ele,
mal lhe nasceu a mão da barbatana,
talhou o fuzil e o foguete.
Tão frágil, que afogar-se-ia numa poça de água.
tão pouco engraçado, que nem o nada o faria rir,
é só com os olhos que vê,
é só com os ouvidos que ouve,
é com o intelecto que reprova o intelecto,
o recorda da sua fala é o mundo condicional,
numa palavra : quase ninguém,
mas almeja a liberdade, a omnisciência
e a existência fora da carne néscia,
vejam só!


Porque afinal parece existir,
efectivamente aconteceu
sob uma das estrelas provincianas,
ao seu jeito vivaz e bem activo.
Para um vil bastardo de cristal -
bastante se admira.
Para uma infância difícil, condicionada pelo rebanho -
vejam só!


Então que continue, nem que seja por um instante,
nem que seja pelo clarão de uma pequena galáxia!
Que por fim se saiba mais ou menos
o que será, uma vez que é.
E ele é tenaz.
Tenaz, diga-se, e muito.
De argola no nariz, de toga ou casaco de malha.
Tem piada, seja como for.
Pobre coitado.
Enfim - o Homem.


Wislawa Szymborska


Czeslaw Milosz - Wislawa Szymborska, "Alguns gostam de poesia", Cavalo de Ferro, 2004

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