terça-feira, 15 de outubro de 2013

diário dos mesmos pesares #32



«Meu amor - que amor? Não és tu. És, és. Não és. Na realidade não sei. Na realidade há o que existe, o que se diz um facto, o que se avalia ao quilo ou ao quilómetro. E há o que nos existe, aquilo que está por dentro ou nós por dentro disso - vou amar o teu corpo como nunca te amei. Um corpo é tão misterioso e o nosso mistério com ele. Tenho muita coisa a dizer-te, isso que espere. Porque eu amei o teu corpo de tanta maneira, não sei se contigo também aconteceu assim. Ama-se um corpo como instrumento de amar, como forma de onanismo de que o trabalho é dele. Ou como êxtase de um terror paralítico. Ou como orientação ao impossível que não está lá. Com raiva desespero de quem já não pode mais e não sabe o quê. Como avidez insuportável não de o ter tido na mão, porque o podemos ter nela, sofregamente, boca seios o volume quente harmonioso da anca e tudo esmagar-se até à fúria, ter o que aí se procura e que é o que lá está, mas não o que está atrás disso e é justamente o que se procura e se não sabe o que é nem jamais poderemos atingir.» 


Vergílio Ferreira, "Em Nome da Terra", Bertrand Editora, 1990

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