domingo, 30 de setembro de 2012

ninguém é filho das ervas #7


«Tua vida é adequada ao sentido que lhe queres dar; não consegues sair do estado de leitura constante, flutuante e sobrevivente.»
Maria Gabriela Llansol

sábado, 29 de setembro de 2012

espécie de oração particular #20


«Nunca a alheia vontade, inda que grata,
Cumpras por própria. Manda no que fazes,
                Nem de ti mesmo servo.
Ninguém te dá quem és. Nada te mude.
Teu íntimo destino involuntário
                Cumpre alto. Sê teu filho.»

Fernando Pessoa, "Odes de Ricardo Reis", Ática, 1994


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

K, o elemento estranho da tabela literária #3


«Continuo a não compreender que todo aquele que seja capaz de escrever possa objectivar no seu sofrimento o sofrimento, a ponto de eu, por exemplo, na infelicidade, talvez ainda com a fronte a arder em infelicidade, me possa sentar e dizer a alguém por escrito: sou infeliz.»

Franza Kafka, "Diários", Difel, 2001

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A vida não é um sonho #23

«Podia apenas dizer que ele a matou e se matou a seguir, e estaria a contar a história tal e qual aconteceu, mas esta seria sem dúvida uma história muito mal contada, ainda que a verdade seja tão-somente que ele a matou, para a amar ainda mais, e se matou a seguir, para que o amor que os unia vivesse para sempre.»


«Planeou matar a namorada e suicidar-se em seguida, mas as coisas saíram-lhe ao contrário. O funeral terá lugar amanhã.»

Luís Ene, "ÍTACA, Cadernos de ideias textos & imagens", Coisas de Ler, nº1 Fevereiro de 2010

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

domingo, 23 de setembro de 2012

dedicatória #18*


* dedicada a mim.

a poesia não me interessa #35


Irmão, 
nada é eterno, nada sobrevive. 
Recorda isto, e alegra-te. 

A nossa vida 
não é só a carga dos anos. 
A nossa vereda 
não é só o caminho interminável. 
Nenhum poeta tem o dever 
de cantar a antiga canção. 
A flor murcha e morre; 
mas aquele que a leva 
não deve chorá-la sempre... 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Chegará um silêncio absoluto, 
e, então, a música será perfeita. 
A vida inclinar-se-á ao poente 
para afogar-se em sombras doiradas. 
O amor há-de ser chamado do seu jogo 
para beber o sofrimento 
e subir ao céu das lágrimas ... 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Apanhemos, no ar, as nossas flores, 
não no-las arrebate o vento que passa. 
Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos 
roubando beijos que murchariam 
se os esquecêssemos. 

É ânsia a nossa vida 
e força o nosso desejo, 
porque o tempo toca a finados. 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Não podemos, num momento, abraçar as coisas, 
parti-las e atirá-las ao chão. 
Passam rápidas as horas, 
com os sonhos debaixo do manto. 
A vida, infindável para o trabalho 
e para o fastio, 
dá-nos apenas um dia para o amor. 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Sabe-nos bem a beleza 
porque a sua dança volúvel 
é o ritmo das nossas vidas. 
Gostamos da sabedoria 
porque não temos sempre de a acabar. 
No eterno tudo está feito e concluído, 
mas as flores da ilusão terrena 
são eternamente frescas, 
por causa da morte. 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Rabindranath Tagore, "O Coração da Primavera", Editorial A. O., 1981

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

o Mal-estar da Civilização #32


«No asco aos animais, a sensação dominante é o medo de, pelo contacto, ser reconhecido por eles. Aquilo que ao homem profundamente repugna é a consciência obscura de que em si há algo vivo que é tão pouco diferente ao animal asqueroso, que a pessoa poderia vir a ser reconhecida por ele. Todo o asco é primordialmente um asco ao contacto. E o próprio autodomínio só ultrapassa este sentimento com movimentos repentinos e excessivos: aquilo que provoca o asco é vigorosamente enlaçado, devorado, enquanto a zona de delicado contacto epidérmico permanece tabu. Só assim se pode explicar o paradoxo do imperativo moral que exige do homem, a um só tempo, a superação e o mais subtil desenvolvimento do sentimento de repulsa. Ele não pode negar o parentesco animal com a criatura, a cuja alusão responde com a repulsa: tem de tornar-se senhor dela.»

Walter Benjamin, "Rua de Sentido Único e Infância em Berlim por Volta de 1900", Relógio D'Água, 1992

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Paz à sua bala #4


Moscovo, 14 de Abril de 1930

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

diário dos mesmos pesares #18


«A história é simples. Conta-se em poucas palavras. Mas é tão poética na sua aparência externa que mais parece ficção que realidade. O jovem a que me refiro sabia que ia morrer dentro de meia dúzia de dias. Apesar disso, quando falei com ele, mostrou-se alegre. "Agradeço ao destino o ter-me ferido tão duramente", disse-me ele textualmente, "porque a minha vida anterior, a minha vida burguesa, era demasiado cómoda, e as minhas ambições espirituais, mesquinhas".
Nos últimos dias, concentrava-se cada vez mais em si próprio: "Essa árvore", disse-me ele apontado através da janela do barracão, "é o único amigo que tenho no meio da minha solidão". Havia realmente fora da barraca um castanheiro em flor, que nós podíamos ver da tarimba. "Às vezes, falo com ela", acrescentou.
Confesso que não sabia como interpretar as suas palavras. Estaria ele a delirar ou com alucinações? Movido pela curiosidade, perguntei-lhe se a árvore também falava com ele. "Sim." "E que é que lhe diz?" E ele responde-me: "Diz-me assim: "Estou aqui - estou aqui; eu sou a vida"...»  

Viktor Frankl, "Um psicólogo no campo de concentração", Nova Vega, 2008

terça-feira, 18 de setembro de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Momento Pergaminho #11


«Uma ocasião, uma senhora sua conhecida falou-lhe da cura pelos ícones. Ivan Iliitch surpreendeu-se a ouvi-la com toda a atenção e a equacionar a veracidade do facto, o que o assustou. "Será que o meu intelecto já enfraqueceu até este ponto? - questionou-se. - Não leves isto a sério, é um disparate, não entres em cismas, tens que escolher um médico e seguir rigorosamente o que ele te prescrever. E é isso que farei. Acabou-se. Não vou pensar em mais nada, e até ao Verão farei o tratamento com todo o rigor. Depois logo se vê. Acabaram-se as hesitações...!"»

Lev Tolstoi, "A Morte de Ivan Iliitch", Relógio D'Água, 2007

domingo, 16 de setembro de 2012

sábado, 15 de setembro de 2012

Chefe, precisamos de mentiras novas #9

«Todo o saber humano (se, na opinião de Sócrates, houver quem saiba) se reduz hoje ao acerto de uma sábia eleição. Pouco ou nada se inventa, e no que mais importa se há de ter por suspeitosa qualquer novidade.»


«Escolhem sempre o pior; pagam-se do menos acertado, gostam do menos plausível, com nota dos judiciosos e desprezo dos demais. Tudo lhes sai de modo infeliz, e não só não conseguem aplauso, como nem sequer agrado.»

Baltasar Gracián, "O Discreto", frenesi, 2005

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Por vocações de Leitura #9 (os três porquinhos)

Marquês de Sade

George Orwell

Georges Perec

Gustave Flaubert

Robert Musil

Curzio Malaparte

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Teoria da Conspiração #37 (ou a Toccata and Fugue em si menor)


«Meia vida dos homens consiste em provas de fuga de si mesmos.
"Gostava de ser aquilo que não sou" é a nossa ideia secreta, mas fixa. Transmutação dos metais e transmutação dos valores são quimeras dos alquimistas e sofistas, porém a transmutação dos destinos é a vontade de todos. Fugir de nós mesmos, tornar-nos outros, evadir-nos.
Ninguém se trocaria por um dos seus semelhantes, mas todos se trocariam pelo seu sonho. Porque o homem quer conquistar, mas sem deixar de se possuir. Deseja a continuidade do seu eu e, juntamente a sua metamorfose - pretensão contraditória que constitui um dos episódios do eterno automatismo.
O homem ama-se e desama-se. Diante dos outros, mostra-se quase sempre satisfeito consigo - com medo de ser ultrapassado ou emulado -, mas quando está só com o seu eu, experimenta um tédio, uma repulsa, uma repugnância, que em regra se transformam em desejo de transformação. Nem todos são capazes de se contemplar sem adulação até às últimas raízes e reconhecer, ainda que no sigilo da alma, a sua miséria, mas quase todos têm a sua sensação e, com frequência, a certeza - o tédio de si pode notar-se mesmo sem as formas de juízo. E os outros instintos - soberba, gula do mais e do novo - ajudam a desejar a mudança. Existe com frequência em nós o narcisismo, mas o espelho é sempre colocado no passado e no futuro - no presente, nunca.»


Giovanni Papini, "Relatório Sobre os Homens", Livros do Brasil, 1986

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Imediatamente embora pouco a pouco #23


«A vida é tão cruel que um minuto antes de matar uma criança um homem feliz ainda é feliz; que um minutos antes de gritar de horror, uma mulher pode fechar os olhos e sonhar com o mar; que durante o último minuto de vida de uma criança os pais dessa criança podem estar numa cozinha à espera que o filho lhes traga açúcar, enquanto falam dos dentes brancos dele e de um passeio de barco; e a própria criança, pelo seu lado, pode fechar um portão e começar a atravessar a estrada, trazendo na mão direita alguns torrões de açúcar embrulhados em papel branco e, durante esse último minuto, só ver um longo rio cintilante, grandes peixes e um barco grande com os seus remos silenciosos.»

Stig Dagerman, "Jogos da Noite", Antígona, 1992 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

estrela dissolvente


©Campion, Jane;2009

domingo, 9 de setembro de 2012

Dicionário das causalidades #15


P

Profissão


«Mal a morte se anuncia o instalador de luto, como exige a sua profissão, vem escurecer e tudo fica triste com nódoas e cinzas mágicas. Tudo fica com ar bichoso, piolhoso, de uma desolação infinita, ao ponto de parentes e amigos poderem apenas chorar o espectáculo depois de ele partir, invadidos por uma tristeza e um desespero sem nome.
Foi adoptada esta sensata medida e criada a profissão para o luto ser realmente irresistível e não terem os próximos de esforçar-se em parecer condoídos. Mas estão, estão-no ao máximo e ao ponto de se exortarem entre si os sem-coração: "Só há que passar dois dias, dizem eles; há que ter coragem, não é coisa que dure".
Com efeito, dois dias mais tarde chamam o assentador de luto e ele afasta por feitiço o horror e a desesperança que os seus deveres tinham levado a distribuir, e a família aliviada volta ao seu ar natural.»

Henri Michaux, "No País da Magia", Hiena Editora, 1987  

sábado, 8 de setembro de 2012

Até hoje foi sempre futuro #1


«No mundo nada se cria, tudo nasce e se transforma, é o que a imperatriz exprime, no seu dominio sobre o momento presente, do qual emanam passado e futuro. O que ela representa dá forma a ambos, porque o destino de hoje é ser simultaneamente ontem e amanhã. É inimiga das coisas fixas, para ela nada é, tudo está a ser, tudo está em trânsito e é transição. Não há saltos, mas sim continuidade: a filha que ocupa o trono da mãe, não o sendo, é a mesma que ela: tal como a metáfora, que também é e não o é mesmo. Assim a morte é um outro nascimento, e se deixarmos que seja a coisa a revelar a palavra (Górgias), não temos necessidade de explicar nada disso com antíteses. Como é possível ser antítese o que faz sentido? Até aparentemente o que o não faz. "Lembra-te, homem, que és pó, e em pó te hás-de tornar".»

Alberto Pimenta, "A Magia Que Tira os Pecados do Mundo", Cotovia, 1995


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A vida não é um sonho #22


«A relação que um homem tem com a sua mulher, por mais perfeita que seja, torna-se, com o tempo, tão rotineira como a que mantém com a sua cidade. Rotineira no sentido de que a atenção vai afrouxando e ele acaba por não conhecer, do objecto que lhe está próximo, mais do que certos pontos de referência. Tal como ao fim de muitos anos a morar numa cidade já não reparamos nas praças, nas avenidas, nos monumentos, excepto quando o acaso ou o dever no-los apontam (Ah, mas aqui havia árvores; oh, repara que belo edifício, etc.), também às vezes descobrimos que a nossa mulher tem seios ou olhos bonitos ou quadris tentadores. Mas são momentos esporádicos e seguramente anormais, uma vez que exigem de nós uma nova abordagem ou um novo ajuste do diafragma da nossa consciência, o que implica um esforço e, por essa mesma razão, encontra em nós resistência. É por esse motivo que a vida conjugal, quando não há filhos nem interesses comuns nem afinidades intelectuais nem, sobretudo, compatibilidades temperamentais ou sexuais, acaba por se transformar numa ficção, num companheirismo às cegas, tão fantasmagórico como o itinerário mil vezes percorrido numa cidade, em que nos limitamos a ser conduzidos pelos nossos reflexos. A mulher percebe isso e, uma vez por outra, tenta fazer-se notar através de um novo penteado, de um novo detalhe no vestuário ou de um convite para que a sigam pelo bairro não visitado e censurado do seu corpo. O homem também o percebe e impõe-se, de vez em quando, uma mudança de aparência (caso patológico do travesti). Mas os disfarces também cansam e não passam de disfarces.»

Julio Ramón Ribeyro, "Prosas Apátridas", Edições Ahab, 2011

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

a temperatura do corpo #19


   105
Há vísceras sentimentais que têm influência num homem
e essas, claro, não são as mais sensatas,
porém as piores e mais determinantes são, de longe,
as pornográficas.
Por que razão não é a vida apenas uma ordem que respira,
onde para cada momento existe uma única acção certa?
A vida individual como algo de didáctico e estúpido
onde se pedisse apenas uma repetição dos dias
que outros já tivessem praticado em perfeita segurança.

   106
Abandonando a ironia e falando seriamente:
há uma certa angústia nos homens que já se viram nus
ao lado de outros humanos.
E isto porque aí se percebe com intensidade forte (e brutal)
como um homem é coisa distinta e, portanto, inimiga
de qualquer outro. Foi a roupa que inventou a compaixão
(e provavelmente a simpatia). Nus, os homens odeiam-se,
ou quando muito excitam-se; vestidos, pelo contrário,
fingem que ser da mesma espécie é mais importante
que não ser o mesmo corpo.
Vistas as coisas, Bloom quer alcançar a Índia
e a sabedoria ao mesmo tempo.
E tão longe ainda está desses dois
destinos. 

Gonçalo M. Tavares, "Uma Viagem à Índia", Caminho, 2010

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

domingo, 2 de setembro de 2012

sábado, 1 de setembro de 2012