sexta-feira, 23 de maio de 2014

O Homem é um grande faisão sobre a terra #6



«Os mutantes (mutants) parecem‑se com o leitor e comigo e comportam‑se como eu e o leitor nos comportamos. A natureza física dos mutantes não se distingue da nossa. Se o leitor abrisse o cérebro de um mutante, chegaria à conclusão de que ele funciona exactamente do mesmo modo que o seu cérebro ou o meu. Se o leitor picar um mutante, ele soltará um “Ai!”, exactamente como eu ou o leitor.
Ao contrário dos mortos‑vivos, os mutantes têm consciência. Há um fantasma dentro deles. Mas os acontecimentos que ocorrem no fantasma do mutante não são como é de esperar. Um mutante que seja picado, por exemplo, pode ter experiência de um acontecimento mental, como ouvir um dó central de um clarinete. Também ele soltará um “Ai!”, pois, dado que o cérebro dele funciona como o nosso e ele se comporta como nós, ser picado com um alfinete inicia processos que causam modificações que levam por fim a que ele solte um “Ai!”, tal como todos nós. Quando ele, neste caso, ouvir um dó central de um clarinete, talvez sinta uma dor horrível, mas isso não fará mais do que fazê‑lo sorrir beatificamente. Um mutante que veja um marco de correio vermelho poderá vê‑lo como se fosse amarelo; um mutante que veja narcisos poderá vê-los como se fossem azuis. Um acontecimento que ocorra na consciência de um mutante não apresenta qualquer relação com os acontecimentos que ocorrem na mente do leitor ou na minha. Ou, pelo menos, qualquer relação com os acontecimentos que ocorrem na minha mente. Pois, uma vez que considerei a possibilidade dos mutantes, dou‑me conta de que não posso estar realmente seguro acerca de si, leitor, nem de qualquer outra pessoa. Talvez todas as outras pessoas, quando comparadas comigo, sejam mutantes.» 

Simon Blackburn, "Pense", Gradiva, 2001


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