terça-feira, 13 de maio de 2014

o Osso do Meio #3



«Estou tentando te dizer de como cheguei ao neutro e ao inexpressivo de mim. Não sei se estou entendendo o que falo, estou sentindo - e receio muito o sentir, pois sentir é apenas um dos estilos de ser. No entanto, atravessarei o mormaço estupefacto que se incha do nada, e terei que entender o neutro com o sentir.
O neutro. Estou falando do elemento vital que liga as coisas. Oh, não receio que não compreendas, mas que eu me compreenda mal. Se eu não me compreender, morrerei daquilo de que no entanto vivo. Deixa agora eu te dizer o mais assustador:
Eu estava sendo levada pelo demoníaco.
Pois o inexpressivo é diabólico. Se a pessoa não estiver comprometida com a esperança, vive o demoníaco. Se a pessoa tiver coragem de largar os sentimentos, descobre a ampla vida de um silêncio extremamente ocupado, o mesmo que existe na barata, o mesmo nos astros, o mesmo em si próprio - o demoníaco é antes do humano. E se a pessoa vê essa atualidade, ela se queima como se visse o Deus. A vida pré-humana divina é de uma atualidade que queima.»

Clarice Lispector, "A Paixão Segundo G.H.", Relógio D'Água, 2000

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