quarta-feira, 22 de maio de 2013

Inaugurar sentimentos, o amor por vir #13


«- É doloroso dar vida ao espírito bravio, e não lembrar...
- Acho que ter um tronco e equilibrá-lo é preferível a ter memória.
- Também é verdade que, com algum treino, o dentro e o fora se tornam reversíveis, quase sem dor.
- Nascer e renascer. Dar botões e ramos. Deixar cair as folhas e torná-las matéria nossa... 
- É a tua travessura de árvore. A tua pujança não recorda. Mas eu não sou árvore.
- Por que hei-de fazer como tu?
- Haverá uma outra maneira efectiva de procurar? Se viver fosse recordar, uma semente sonhante seria o seu perfeito equivalente. Olha, seríamos cristais...
- Quando desci ao espírito bravio...
- Sim, recorda, se tens necessidade de recordar...
- Fiquei admirada com a sua ousadia.
- Como assim?
- Vibrava indefectível com qualquer frequência de luz.
- É assim que ele sente.
- Voltei a sentir, de novo, o desejo de um tálamo aberto e imaculado.
- E ele?»  

 Maria Gabriela Llansol, "Parasceve", Relógio D'Água, 2007

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