segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A vida não é um sonho #34



«Ele tinha caí­do de joelhos sobre um degrau e torcia as mãos. Sua face estava pálida e crispada, os dentes batiam, os olhos inundados de lágrimas, e todo o corpo sacudido por soluços que ele procurava reprimir e se transformavam em suspiros e silvos entrecortados.
Edele conservava-se sentada.
“Acalme-se, homem” disse ela num tom de sofrí­vel compaixão, não se deixe abater dessa maneira, seja um homem! Ouça: levante-se, dê uma volta pelo jardim e procure recuperar a calma.
“E a senhora não poderá amar-me de jeito nenhum?” gemeu Bigum baixinho. “Ah, é horrível não há nada em minha alma que eu não consentiria em matar, em degradar, se com isso pudesse conquistá-la! Nada! Se me propusessem a loucura para poder possuí­-la, possuí­-la nas visões da loucura, eu diria: “Tomem o meu cérebro, destruam implacavelmente esta maravilhosa construção e arrebentem os fios delicados que ligam o meu espí­rito ao radioso carro triunfante do Espí­rito universal, deixem-me sucumbir no lodo da matéria, sob as rodas do carro, deixem que os outros prossigam na sua rota magní­fica para a luz!”. Compreende? Compreende que mesmo que seu amor viesse despido de todo brilho, de sua auréola de pureza, envilecido, enlameado, como uma caricatura do amor, um fantasma mórbido, eu ainda o aceitaria de joelhos, como se fosse uma sagrada hóstia? Mas é inútil, tanto o que eu tenho de melhor como o que eu tenho de pior, é inútil! Clamo pelo sol, e ele não brilha; apelo para a estátua, ela não responde… Responder! Mas que resposta pode ter o meu sofrimento? Não, estas torturas indizí­veis, que estrangulam o mais í­ntimo do meu ser em suas raí­zes e apenas roçam pela senhora, estas dores apenas lhe causam um pequeno arranhão, e a senhora em seu í­ntimo ri ironicamente da paixão insensata do preceptor!…»

Jens Peter Jacobsen, "Niels Lyhne”

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