quinta-feira, 7 de junho de 2012

a temperatura do corpo #16


Na mesa ao lado,
um jardim de senhoras ao domingo,
associadas na ordem da má-língua
e do chá com limão,
num café de inverno, pela tarde.
Queixam-se deste tempo, bebem, fumam,
discutem seus segredos, concordam com sorrisos…
e de súbito param a olhar-te.
Despreocupada contas
― e no local a tua voz é como um sabre
que fere o inimigo ―
uma história de cama com detalhes hábeis,
uma maneira de sentir a vida
que penetra e dissolve
a luz de igreja,
a humilhação do frio nos joelhos,
os caixões fechados e as fotos do casamento.
Certo tipo de gente
sofre de invernia nos olhos,
conhece as geadas
que passam por baixo da porta,
uma porta de quarto,
ali onde a noite tem sempre
um cheiro a espera inútil,
e depois da espera aceitam-se as mentiras,
e a seguir o silêncio.
Nada deixam os anos na mesa do lado,
senão um murmúrio que envelhece e uma sombra
que cruza os lábios como uma cicatriz,
um rancor na epiderme da consciência.
A tua voz é alta e jovem
e vestida de festa, e quando se desnuda
faz com que o sol de inverno, comovido,
se detenha um instante para apoiar a fronte
nas vidraças do café.

Luis García Montero, Espanha (n. 1958), traduzido por Nuno Dempster

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