domingo, 27 de março de 2011

a temperatura do corpo #6



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Comecei a perceber mais profundamente do que alguma vez se conhecera antes, a tremenda imaterialidade, a brumosa transitoriedade deste corpo aparentemente tão sólido com que andamos ataviados. Descobri que certos agentes têm o poder de abalar e repuxar essa vestimenta carnal, do mesmo modo que um vento afasta as cortinas de um pavilhão. Não entrarei muito nesse ramo científico da minha confissão, e isto por duas razões. Primeiro, porque fui levado a entender que o fado e o fardo da nossa vida serão para sempre carregados sobre os ombros do homem, e que quando se tenta pô-los de parte, limitam-se a regressar sobre nós com uma pressão ainda mais anormal e mais terrível. Depois porque, como a minha narrativa infelizmente há-de tornar demasiado evidente, as minhas descobertas estavam incompletas. Bastou, então, que eu não apenas reconhecesse o meu corpo natural pela mera aura e esplendor de alguns dos poderes que formavam o meu espírito, mas conseguisse compor uma droga com a qual esses poderes fossem destronados da sua supremacia, substituída por uma segunda forma e semblante, apesar de tudo naturais em mim dado serem a expressão, e carregarem o selo, dos elementos mais baixos da minha alma.»

Robert Louis Stevenson, "O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde e outros contos", Assírio & Alvim, 2007