
Cânticos*
I   
Não queiras ter pátria.   
Não dividas a Terra.   
Não dividas o Céu.   
Não arranques pedaços ao mar.   
Não queiras ter.   
Nasce bem alto,   
Que as coisas todas serão tuas.   
Que alcançarás todos os horizontes.   
Que o teu olhar, estando em toda parte   
Estarás em tudo,   
Como Deus.   
II   
Não sejas o de hoje.   
Não suspires por ontens ...   
Não queiras ser o de amanhã.   
Faze-te sem limites no tempo.   
Vê a tua vida em todas as origens.   
Em todas as existências.   
Em todas as mortes.   
E sabe que serás assim para sempre.   
Não queiras marcar a tua passagem.   
Ela prossegue:   
É a passagem que se continua.   
É a tua eternidade ...   
É a eternidade.   
És tu. 
III   
Não digas onde acaba o dia.   
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.   
As palavras do mundo.   
Não digas onde começa a Terra,   
Onde termina o céu.   
Não digas até onde és tu.   
Não digas desde onde é Deus.   
Não fales palavras vãs.   
Desfaze-te da vaidade triste de falar.   
Pensa, completamente silencioso.   
Até a glória de ficar silencioso,   
Sem pensar. 
* (3 de 26)
Cecília Meireles, "Antologia Poética", Editora Record, 1963
 
 
Sem comentários:
Enviar um comentário